Questi sono brutti tempi

Em português: Estes são tempos feios!

Ou como dizemos em Minas: O trem ‘tá’ feio!

There’s no time for us
There’s no place for us
What is this thing that builds our dreams
Yet slips away from us? (Queen – Who Wants to Live Forever)

Tem hora que a gente lê certas coisas que são verdadeiros socos no fígado. E o danado é que isso vem piorando. Piorando de dia e piorando de noite. E no quintal dos exegetas. Questi sono brutti tempi.

Pois li recentemente três artigos de três biblistas. Que são… não, não vou dizer os nomes.  Só pistas: um é do alto clero, outro é do baixo clero e o terceiro de clero nenhum.

Pois bem: fulano, beltrano e sicrano fariam bem em reler o que escreveu Pio XII na encíclica Divino afflante Spiritu [Inspirados pelo Espírito Divino], de 30 de setembro de 1943. Setenta anos depois e tem gente, do ramo, que não aprendeu?

Observo que até o século XIII, a reflexão bíblica ocupava lugar importante na reflexão teológica. A Escolástica quebrou esta tradição, com a elaboração de uma teologia cada vez mais especulativa. A Reforma protestante reagiu contra esta tendência com uma volta radical à Escritura, enquanto os teólogos católicos, no contexto da Contra-Reforma, afastavam-se ainda mais da Bíblia.

Pio XII, entre outras coisas, recomendava, na Divino afflante Spiritu, o estudo das línguas bíblicas, o recurso à filologia, a busca do sentido literal dos textos, o exame do contexto, o estudo da história, da arqueologia e dos gêneros literários, o esclarecimento da condição social do autor.

Leia-se, por exemplo, sobre o estudo das línguas bíblicas: Além disso são hoje tantos os meios para aprender aquelas línguas que o intérprete da Escritura, que, descurando-as, fecha a si mesmo o acesso aos textos originais, não podendo evitar a imputação de inconsideração e indolência (…) Por isso trabalhe por adquirir uma perícia cada vez maior das línguas bíblicas e também dos outros idiomas orientais e apoie a sua interpretação com todos os recursos subministrados por toda espécie de filologia.

Ou sobre a pesquisa histórico-crítica: Procure por conseguinte o intérprete distinguir com todo o cuidado, sem descurar nenhuma luz fornecida pelas recentes investigações, qual a índole própria e condição social do autor sagrado, em que tempo viveu, de que fontes, escritas ou orais, se serviu, que formas de dizer empregou. 

Ou a repreensão dirigida a certas tendências que rejeitam a pesquisa moderna: Tal interpretação (…) será meio eficaz para fazer calar os que se queixam de não encontrar nos comentários bíblicos nada que eleve a mente a Deus, alimente a alma, fomente a vida interior, e por isso dizem que é preciso recorrer a uma interpretação que chamam espiritual e mística.

Por fim, recomendo uma (re)leitura dos obstáculos hermenêuticos mais comuns, nos quais constantemente tropeçamos quando lemos a Bíblia.

Obstáculos hermenêuticos são armadilhas do pensamento, que só podem ser evitadas através de uma constante vigilância ideológica, que manterá aberta a nossa mente para a experiência do nascimento do sentido que acontece na operação de leitura dos textos bíblicos.

Um exemplo? O teologismo, que é o correspondente teórico da atitude prática que se conveio chamar ‘sobrenaturalismo’, ‘espiritualismo’, ou simplesmente ‘mitologia’.

O teologismo consiste em considerar a interpretação teológica como a única versão verdadeira do real, esvaziando, assim, o Político e o Social de seus conteúdos e rejeitando a sua autonomia. É, no mais das vezes, um discurso dogmático, ideológico, autoritário e anticientífico. Além do que conduz a outros obstáculos, como o espiritualismo e o dualismo. Neste enfoque a fé é frequentemente colocada em oposição ao conhecimento racional. É dito que este não resolve e ilustra-se o discurso com a persistente crise nacional ou mundial, a perversão moral e as injustiças praticadas pelo mundo afora. Processa-se uma mistificação do não-acesso ao saber, que de questão política transforma-se em questão moral, enquanto se contrapõe o homem simples, o-que-nada-sabe, mas tem fé, ao homem cultivado, o-que-tudo-sabe, é estudado, mas não tem fé…