Fundamentalismo hoje

Evangélicos e católicos discutem fundamentalismo religioso

Aconteceu em São Paulo nos dias 21 e 22 de agosto o Seminário Fundamentalismo Hoje. Promovido pelo Fórum Ecumênico Brasil (FE-BRASIL) e organizado pela ASTE, CESE e KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, o evento foi realizado no Instituto Salesiano Pio XI, no Alto da Lapa, na capital paulista.

Entidades ecumênicas e igrejas de várias partes do Brasil e exterior estavam representadas. Entre elas, KOINONIA, CONIC, CAIC, CMI (Genebra), Centro Ecumênico Diego de Medellín (Chile), ICEC (Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos) ligado à Igreja Assembléia de Deus Betesda, PROFEC, CLAI, ASTE. Além das entidades ecumênicas, também houve a presença das igrejas Católica Apostólica Romana, Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

As palestras foram proferidas por especialistas e teólogos. A abertura do seminário foi feita pelo Rev. Zwinglio Mota Dias, doutor em teologia pela Universidade de Hamburgo (Alemanha), professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UFJF, pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e editor da revista Tempo e Presença, de KOINONIA. Ele colocou com bastante clareza a realidade do fundamentalismo. No seu entendimento, os fundamentos são necessários para nossa identidade cristã. Entretanto:

“É necessária a alteridade para se revelar ao outro que também construiu sua identidade a partir de seus fundamentos. O diálogo só é possível se houver uma abertura ao diferente. O negativo no fundamentalismo é a intransigência de querer conquistar o outro, que é visto como uma ameaça. ” frisou Dr. Zwinglio.

Sobre o fundamentalismo no contexto da Igreja Católica Apostólica Romana, a responsável foi a professora Brenda Carranza, doutora em ciências sociais, professora-pesquisadora convidada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Para a Dra. Brenda o fundamentalismo moderno é uma reação à modernidade. Fundamentalismo não é uma ideologia, mas uma atitude. A atitude fundamentalista tem como princípio dois elementos:

– a defesa da verdade inegociável

– a premissa de que minha interpretação da verdade é a correta.

Segundo ela, existem quatro tipos de fundamentalismo: científico, cultural, religioso, político-religioso.

Brenda destacou que os elementos de identificação do fundamentalismo na Igreja Católica Romana são o Papa, mariologia, sacramentos, eucaristia e mediação dos santos. Ela ressaltou também que para entender o fundamentalismo da Igreja Católica Romana há que se entender o incômodo causado pela renovação carismática católica, que estabelece uma relação com Deus sem mediação, o que elimina o centro do poder simbólico e concreto: “não preciso de padre, não preciso da igreja”.

Já no contexto Evangélico ou protestante, a explanação ficou com o Rev. Leonildo Silveira Campos, pastor da Igreja Presbiteriana Independente, teólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Leonildo traçou um histórico do fundamentalismo protestante, desde seu início nas primeiras décadas do século XX nos EUA até chegar ao Brasil. Para ele, o protestantismo brasileiro recebeu a influência do pietismo e do evangelicalismo norte americano.

“Não há diálogo. Todavia, o discurso é fundamentalista, mas a prática é relativista. Diante desse quadro, nossa participação como ecumênicos fica muito difícil. (…) “Há o relacionamento ecumênico com vários grupos afins, porém com os pentecostais temos grande dificuldade para o diálogo e ações conjuntas”, reforçou Leonildo. Para ele, haveria um canal aberto para o avanço do espírito ecumênico se nós nos confrontássemos com a nossa intolerância cultural e religiosa. Ele também coloca que será possível estabelecer avanços na direção do diálogo a partir dos seguintes itens:

– Da experiência pentecostal de evangélicos e católicos: já tem sido abertos canais de diálogo nesse sentido;

– Da intensificação do estabelecimento de diálogo para discussão de questões pontuais que separam os diferentes grupos religiosos, o que os têm levado a se enclausurarem em suas convicções particulares;

– Da discussão sobre a ascensão do fundamentalismo dogmático (que divide) em prejuízo dos valores do fundamentalismo escriturístico (que dialoga);

– Da neutralização da polarização em todas as igrejas que têm seu foco na questão do poder político;

Em todas as palestras houve espaço para os grupos de discussão, que através de um relator colocava ao grupo as impressões da discussão. Ao final do encontro, os participantes fizeram uma síntese das discussões e conclusões dos grupos.

Ao avaliar suas experiências à luz das discussões, os participantes chegaram a uma série de conclusões, ainda que provisórias, como afirma o texto, no qual constatam que “a partir do conhecimento do outro, valorizando demandas sociais concretas, tem sido possível estabelecer alternativas de diálogo com grupos historicamente resistentes ao ecumenismo”. Daí a necessidade de se criarem “espaços onde a diversidade se apresente” e de aprofundarem-se as “discussões sobre as identidades e respectivos direitos”. A importância da formação ecumênica das lideranças e dos membros da igreja, desde a infância, foi enfatizada, assim como o imperativo de se desenvolver uma pedagogia adequada, pois “torna-se necessário não confundir uma pessoa fundamentalista por convicção, com pessoas que têm idéias fundamentalistas, simplesmente por reproduzirem um pensamento do senso comum”.

O texto-síntese afirma também que “ecumenismo se dá, acima de tudo, entre pessoas” e que “as instituições só se aproximam quando há pessoas dispostas a fazer essa aproximação”. Em outro ponto, o texto constata que muitas igrejas não têm uma posição institucional ecumênica e que, em outras, “apesar de haver posição institucional não-ecumênica, muitos de seus membros estão abertos ao diálogo. Por isso, “é necessário desenvolver formas que contribuam para superar as barreiras”. Alem do diálogo em torno de reflexões bíblico-teológicas, os participantes apontaram que um possível caminho para ultrapassar essas barreiras pode ser “a discussão a partir do conceito de democracia e os valores pressupostos por esse modelo. ”.

Ao final, os participantes fizeram uma constatação e, ao mesmo tempo lançaram um desafio às igrejas ao afirmarem “que estamos diante de um fenômeno que se torna semelhante em todas as igrejas: buscar seus fundamentos para não perder sua identidade, a qual está se tornando líquida”. E essa busca deve ser tratada “de forma a nos unir e não separar, não voltadas para si mesmas, mas abrindo-se para o outro”.

Fonte: Rev. Haroldo Mendes – Koinonia: 01/09/2008

Resenhas na RBL: 27.08.2008

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Michael F. Bird
The Saving Righteousness of God: Studies on Paul, Justification and the New Perspective
Reviewed by Martin Meiser

William P. Brown, ed.
Engaging Biblical Authority: Perspectives on the Bible as Scripture
Reviewed by Craig L. Blomberg

Reta Halteman Finger
Of Widows and Meals: Communal Meals in the Book of Acts
Reviewed by Steve Walton

Ronald E. Heine
Reading the Old Testament with the Ancient Church: Exploring the Formation of Early Christian Thought
Reviewed by Martin C. Albl

Alastair Hunter
Wisdom Literature
Reviewed by Jurie le Roux

Joel S. Kaminsky
Yet I Loved Jacob: Reclaiming the Biblical Concept of Election
Reviewed by B. J. Oropeza

James A. Metzger
Consumption and Wealth in Luke’s Travel Narrative
Reviewed by Kenneth Litwak

Mareike Rake
“Juda wird aufsteigen!”: Untersuchungen zum ersten Kapitel des Richterbuches
Reviewed by Klaas Spronk

Ruth Anne Reese
2 Peter and Jude
Reviewed by Wilhelm Pratscher

David M. Scholer, ed.
Social Distinctives of the Christians in the First Century: Pivotal Essays by E. A. Judge
Reviewed by Tsalampouni Ekaterini

Svensk Exegetisk Årsbok: Psykologi och Exegetik
Reviewed by Lena-Sofia Tiemeyer

John Collins x Israel Knohl: A Visão de Gabriel

Quem estiver acompanhando o debate sobre o texto apocalíptico escrito com tinta em pedra, e que, aparentemente, antes da época de Jesus, fala da ressurreição do Messias ao terceiro dia, caso que pode ser visto aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, não pode perder, de jeito nenhum, o embate de ideias entre John Collins, da Yale University, USA, e Israel Knohl, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que pode ser lido no biblioblog de John Hobbins, Ancient Hebrew Poetry em duas postagens de hoje, 26 de agosto de 2008:

Os biblioblogs e a hegemonia do inglês

O meu post Top Bible Blogs? He was only joking! do dia 23 deste mês, provocou alguma repercussão. Veja o post, com data de 25/08/2008, de Douglas Mangum, em seu blog Biblia Hebraica: Top Foreign Language Bible Blogs?

De modo geral, Douglas Mangum tem razão. Para quem é falante nativo da língua inglesa, especialmente para os americanos (dos EUA), deve parecer tremenda perda de tempo ficar “lutando” para aprender outra língua moderna, já que (quase) todas as obras são traduzidas para o inglês e boa parte é produzida diretamente em inglês. Sem dúvida, é a língua franca de nossos dias.

Brincamos por aqui que, mesmo quando queremos falar mal do domínio do idioma inglês, somos obrigados a falar em inglês para sermos compreendidos… Mas ainda consideramos que a principal língua bíblica é o alemão (Deutsch)! Nesta ordem: Alemão, Hebraico, Grego, Aramaico…

Em meu post eu quis brincar, mas também provocar, como já fiz outras vezes. É só ler, por exemplo, o que escrevi, em 18 de setembro de 2007: Biblical Studies Carnival: considere 10 linguas! A experiência do pluralismo lingüístico europeu talvez nos faça ver o mundo com outros olhos.

Por outro lado, em 29 de setembro de 2006 publiquei um post com o seguinte título: Por que os links da Ayrton’s Biblical Page apontam, em grande parte, para páginas em inglês? Isto aconteceu quando tomei conhecimento, via El País, de que a Internet no habla español. Vale reler o post: naquele momento, apenas 4,6% das páginas da Internet eram em espanhol, enquanto que 45% eram em inglês, segundo o articulista. E o texto diz, em determinado ponto: “Si se divide el número de usuarios por el número de páginas del mismo idioma, el inglés tiene el ratio más elevado con un 1,47, después se coloca el francés con un 1,25 y el alemán con un 1,23. El de España, con un 0,58”.

O que ainda dá razão a Douglas Mangum, embora só contemple, neste caso, uma língua, o espanhol.

Mas existe o outro lado: o livro de Mario Liverani, Oltre la Bibbia: Storia Antica di Israele. 6a. ed. Roma-Bari: Laterza, [2003] 2007, 526 p. – ISBN 9788842070603, só provocou repercussão na comunidade biblioblogueira quando foi traduzido do original italiano de 2003 para o inglês e publicado no final de 2005 como Israel’s History and the History of Israel. [London: Equinox Publishing. Paperback em 2007: ISBN 9781845533410].

Neste caso, enquanto o mundo de língua inglesa, em boa parte, apenas ouvia falar do livro de Liverani e aguardava sua tradução, eu já o utilizava em italiano desde o início de 2004… É só ver os posts da época nos biblioblogs e o alvoroço que causou a publicação da obra em língua inglesa, sinal de que muitos biblistas o consideravam inacessível em italiano!

Mas um caso é apenas um caso. Não se pode generalizar.

Construindo Profecia e Profetas em Yehud

Com previsão de publicação para outubro de 2009, este livro sobre profetas e livros proféticos, organizado por Diana Edelman, da Universidade de Sheffield, Sheffield, Reino Unido, e Ehud Ben Zvi, da Universidade de Alberta, Edmonton, Canadá, parece interessante. Seu título: A Produção da Profecia: Construindo Profecia e Profetas em Yehud.

EDELMAN, D.; BEN ZVI, E. (eds.) The Production of Prophecy: Constructing Prophecy and Prophets in Yehud. London: Equinox Publishing, 2009, 256 p. – ISBN 9781845534998 (Hardback) – ISBN 9781845535001 (Paperback).

O livro é fruto de pesquisa sobre a construção da profecia e dos livros proféticos durante a época persa (538-332 a.C.) apresentada nos Encontros Anuais da EABS – European Association of Biblical Studies [Associação Européia de Estudos Bíblicos] – de 2006 e 2007.

A profecia bíblica aparece nesta época como um fenômeno escrito, possivelmente orientado para leituras públicas específicas. Os autores estudam a relação dos livros proféticos com outros textos, como os Livros dos Reis e a Obra Histórica Deuteronomista, além, é claro, de abordar o contexto social e ideológico no qual os livros proféticos surgem. A obra trabalha também com a construção de figuras de profetas do passado e as relaciona com a construção mais ampla do passado em Yehud, nome da província judaica na época persa. Os capítulos deste livro trazem abordagens genéricas, metodológicas e comparativas, além de tratar de questões e/ou livros específicos, como o Dêutero-Isaías, Jeremias, Amós e Jonas.

Além de Diana Edelman e Ehud Ben Zvi, vejo os nomes de Philip R. Davies, Rainer Albertz, Erhard Gerstenberger, Ernst Axel Knauf, Thomas Römer e Rannfrid I. Thelle. De todos estes autores, o único de quem ainda nada li é este último, Rannfrid I. Thelle, que me parece ser um norueguês da Universidade de Oslo. Quanto aos outros, posso recomendá-los “de olhos fechados”, pois são velhos conhecidos dos estudos de História de Israel e da Obra Histórica Deuteronomista.

Da página da Editora, transcrevo, em inglês, a Descrição e o Sumário do livro:
Description
The editors have organized a long-term research program on Israel and the Production and Reception of Authoritative Books in the Persian and Hellenistic Periods at the Annual Meeting of the European Association of Biblical Studies. The first announced topic of enquiry was the construction of prophecy and prophetic books during the Persian period, for which dedicated sessions were held at the EABS meetings in 2006 and 2007. The present volume includes revised versions of the presentations made by Rainer Albertz, Ehud Ben Zvi, Philip R. Davies, Diana Edelman, Erhard S. Gerstenberger, Ernst Axel Knauf, Thomas C. Römer, and Rannfrid I. Thelle.

The general image that emerges from the volume is that of biblical prophecy as a written phenomenon, though perhaps open to selected public readings. The relationship between prophetic and other authoritative written texts (e.g., the Book of Kings, the Deuteronomistic History) is explored, as well as the general social and ideological setting in which the prophetic books emerged. The volume deals with the construction of images of prophets of the past and relates them to the general construction of the past in Yehud. It includes both general, methodological and comparative contributions and studies on particular issues/books (e.g., Deutero-Isaiah, Jeremiah, Amos and Jonah).

Contents
1. Diana Edelman and Ehud Ben Zvi, Introduction
2. Ehud Ben Zvi, Towards an Integrative Study of the Production of Authoritative Books in Ancient Israel
3. Diana Edelman, From Prophets to Prophetic Books: The Fixing of the Divine Word
4. Philip R. Davies, The ‘Booth of David’ and the Function of the Book of Amos
5. Ehud Ben Zvi, The Concept of Prophetic Books and its Historical Setting
6. Rainer Albertz, Public Recitation of Prophetical Books? The Case for the First Edition of Deutero-Isaiah
7. Erhard S. Gerstenberger, Postexilic Prophecy: Socio-Historical and Cultic Origins; Zoroastrian Analogies, and its Relationship to Torah
8. Ernst Axel Knauf, Kings among the Prophets
9. Diana Edelman, Jonah Among the Twelve: The Extended Family of God and The Triumph of Torah over Prophecy
10. Thomas C. Römer, The Formation of the Book of Jeremiah as a Supplement to the so-called Deuteronomistic History
11. Rannfrid I. Thelle, Babylon in Jeremiah: Reflections of a Discourse on Power in the Persian Period

Coisa grande: mil vezes a massa da Via Láctea

“Divagarzim” vamos ampliando a visão de onde estamos. Quem sabe um dia descobrirei, de fato, doncôvim, oncotô, proncovô, concossô… Afinal, sou mineiro! E acabei de ler esta notícia da France Presse:

Astrônomos descobrem grupo de galáxias gigante
O observatório astronômico europeu XMM-Newton encontrou o maior grupo de galáxias jamais visto no universo, uma descoberta que pode confirmar a existência da energia negra, anunciou nesta segunda-feira em um comunicado a ESA (agência espacial européia). Batizado 2XMM J083026+524133, o grupo deve conter “uma massa correspondente a mil galáxias” e foi observado quando o XMM-Newton, que tem como missão estabelecer um catálogo de fontes cósmicas emissoras de raios X (planetas, cometas, quasares etc) estava focalizado outro objeto. O J083026+524133 foi visto porque forma uma mancha muito brilhante. Observado em seguida com um potente telescópio de Arizona, se revelou um grupo de galáxias com mil vezes a massa de nossa galáxia, a Via Láctea. “A presença deste grupo confirma existência de um elemento misterioso, a energia negra, suposta responsável pela aceleração da expansão do Universo”, destacou em um comunicado Georg Lamer, do Instituto de astrofísica de Potsdam (Alemanha). Segundo os astrofísicos, a maior parte do grupo situado a 7,7 bilhões de anos-luz seria formada de um gás a temperatura de 100 milhões de graus Celsius.

Fonte: Folha Online: 25/08/2008 – 17h39

Top Bible Blogs? He was only joking!

Os mais importantes biblioblogs?

Só se forem eliminadas as outras quase 7 mil línguas existentes no mundo e estabelecido o inglês como língua única…

Sei que um dos que gostam de contar esta piada (joke) é o dinamarquês Niels Peter Lemche:

– Quem fala muitas línguas é?
Poliglota
– Quem fala três línguas é?
Triglota ou trilíngue
– Quem fala duas línguas é?
Bilíngue
– Quem fala uma só língua é?
Norte-americano

Ou:

Question: If you say a person that speaks two languages is bilingual, and person that speaks three languages is trilingual, and many languages is a polyglot … what do you call a person who speaks only one language?
Answer: An American.

Pergunta: Se uma pessoa que fala dois idiomas é bilíngue, e uma que fala três idiomas é trilíngue, e muitos idiomas é poliglota… como se chama a pessoa que fala somente um idioma?
Resposta: um Americano.

Claro que há, entre os biblioblogueiros norte-americanos, honrosas exceções, como os poliglotas John Hobbins, Jim West e uma meia dúzia de outros!

Dica vista em John Hobbins, que me levou a Douglas Mangum e que me fez lembrar de Niels Peter Lemche em ANE-2 de 17 de dezembro de 2006.

Resenhas dos livros de Grabbe e Oakman

Acabei de ler e recomendo a leitura das resenhas de dois livros. O primeiro de Lester L. Grabbe sobre História de Israel. O segundo de Douglas E. Oakman sobre a prática de Jesus no mundo rural da Palestina do século I.

GRABBE, L. L. Ancient Israel: What Do We Know and How Do We Know It? London: T & T Clark, 2007, 328 p. – ISBN 9780567032546. Resenha de Brian B. Schmidt, da Universidade de Michigan, Ann Arbor, Michigan, USA. Publicada pela Review of Biblical Literature em 09/08/2008.

Estou trabalhando com este livro. É realmente muito interessante. Não é um livro de História de Israel, mas um livro de historiografia sobre as possibilidades e dificuldades da escrita de uma História de Israel hoje. Leia mais sobre isso aqui.

O resenhista concorda que o livro é fundamental para quem trabalha na área, embora faça, sobre alguns detalhes, seus questionamentos. Diz Brian B. Schmidt, por exemplo:
Ancient Israel is a tremendously informed and useful book that readers will find very helpful in a variety of contexts, whether for general pedagogical purposes or as a reader in the seminar context or as a reference tool in the research environment. It is a welcome change of course, given that progress in the field otherwise had all but become stagnant in the rather polarized, late twentieth-century world of minimalism versus maximalism (although one might aver that such a polarizing stage constitutes a predictable [and necessary?] one in the process of intellectual advancement). Readers will be immensely indebted to Professor Grabbe for Ancient Israel. It invites extensive and detailed engagement.

Observo, porém, que na lista de obras sobre História de Israel citadas na primeira nota eu acrescentaria mais autores e livros, especialmente os obras do Seminário Europeu sobre Metodologia Histórica, todas editadas por Lester L. Grabbe, que é o coordenador do grupo, como se pode ver na bibliografia.

OAKMAN, D. E. Jesus and the Peasants. Eugene, OR : Cascade Books, 2008, 348 p. – ISBN 9781597522755. Resenha de Ernest van Eck, da Universidade de Pretória, Pretória, África do Sul. Publicada pela Review of Biblical Literature em 09/08/2008.

O resenhista termina sua avaliação assim:
The book is a tour de force of Oakman’s repertoire: the economics of first-century Palestine, his knowledge of historical Jesus studies and Q, his brilliant insights when reading the biblical text, to name but a few. His interpretations, especially of the parables, are fresh and challenging. He shows convincingly that the meanings of Jesus’ parables always have to be accessed vis-à-vis their original audience and sociopolitical and socioeconomic context. If one is interested in understanding the message of Jesus against the backdrop of the realities of first-century Palestine peasantry, this book is a must.

Sobre Douglas E. Oakman, recomendo a leitura de meu post Jesus e os camponeses: novo livro de D. Oakman e insisto com o leitor para que faça uma parada aqui e leia, pelo menos, o primeiro item deste artigo. Veja que leitura Oakman faz do Pai Nosso!

Religiao como meio de vida?

Meios reestruturam mundo religioso, diz professor
O coordenador da 6. Conferência sobre Meios, Religião e Cultura, reunida de 11 a 14 de agosto em São Paulo, e professor da Universidade de Colorado, Estados Unidos, Stewart Hoover, sustentou que a religião midiatizada está gerando não só um maior nível de visibilidade das diversas expressões religiosas, mas propiciando profunda reestruturação no modo de administrar o poder, de viver a espiritualidade e de posicionar-se na esfera pública.

Um dos pioneiros na pesquisa sobre televangelismo e o impacto midiático das igrejas, Hoover mencionou duas tendências da religião contemporânea sobre as quais os meios desempenham um papel importante. O pesquisador observou, em primeiro lugar, uma forte tendência às buscas autônomas e encontros desinstitucionalizados com o mundo da espiritualidade. “As pessoas constroem hoje sua religiosidade sem depender de nenhuma regulação orgânica”, sublinhou. Hoover destacou que os meios se converteram em espaços através dos quais se constrói o mercado que permite com que uma demanda religiosa diversificada chegue às pessoas com maior fluidez e sem a formalidade das mediações tradicionais. “Neste contexto, os sujeitos sociais modernos atuam de maneira cada vez mais autônoma e pragmática em contraste com aquelas expressões e práticas culturais ‘místicas’ ou efervescentes”, afirmou. Segundo a análise do professor estadunidense, isso não significa que as manifestações religiosas contemporâneas sejam mais triviais ou inconsistentes na atualidade. Ao contrário, isso implica que as pessoas hoje se percebam como consumidores ativos ou fiéis religiosos pró-ativos dos recursos disponíveis no mercado religioso global. Ao mesmo tempo, o “crente” de hoje tornou-se um produtor dos novos discursos religiosos desinstitucionalizados.

O que me chamou mais a atenção foi o seguinte trecho:

A emergência dos denominados “blogs” da fé em países como a Austrália, o crescimento acelerado da indústria musical midiática na América Latina, o massivo consumo global de sites religiosos na Internet, a luta dos pentecostais para se apropriar de meios comerciais na Nigéria, a “hibridização” dos rituais religiosos midiáticos em comunidades rurais italianas, as transições do televangelismo norte-americano, e as ressignificações da cultura oral em espaços digitais na Índia representam apenas alguns dos exemplos mencionados neste fórum e que configuram o novo mapa midiático da religião contemporânea global.

Leia o texto completo na ALC. Por Rolando Pérez – São Paulo, 19 de agosto de 2008. Reproduzido também na IHU On-Line em 20/08/2008.

O direito de espernear

Os EUA na geopolítica mundial depois do conflito na Geórgia – 14/08/2008

Convenhamos que é meio humilhante começar a atirar e 48 horas depois implorar de joelhos por um cessar-fogo. Há algo de comovente em ver uma nação dar-se conta de que durante muito tempo acreditou num conto da carochinha. Segundo os relatos que chegam, o estado de espírito na República da Geórgia pode se resumir com uma pergunta atônita: onde estão os americanos que disseram que nos protegeriam, que eram nossos amigos? Os georgianos descobriram, na base da porrada, o que os latino-americanos minimamente informados já sabem há mais de um século: o que os EUA querem dizer quando alardeiam seu compromisso com a “liberdade e a democracia”.

As analogias históricas não funcionam muito bem para se compreender o conflito desta semana porque a Geórgia é – ou era, até a semana passada – um dos poucos lugares da galáxia onde o presidente americano goza de popularidade real. Como se sabe, a estrada que leva ao aeroporto de Tbilisi foi batizada com o tenebroso nome de George W. Bush. Ao longo dos últimos 16 anos em que predominou uma paz tensa na Ossétia do Sul e na Abkházia, e muito especialmente desde a eleição de Mikhail Saakashvili em 2004, a Geórgia tem sido a menina dos olhos do entrismo da OTAN.

Em abril deste ano, Bush defendeu abertamente a entrada da Geórgia no Tratado, sob os olhares estupefatos dos europeus, que sabiam muito bem a provocação que isso representaria para a Rússia. Logo em seguida, 1.000 marines foram enviados à base militar de Vaziani, na fronteira com a Ossétia do Sul, para treinamento do exército georgiano. Desde a visita de Bush ao país em 2005, os EUA apresentam a Geórgia como modelo de democracia, não se importando muito com as incontáveis denúncias de violações dos direitos humanos. Tudo indica que Saakashvili imaginou que contaria com algo mais que declarações verbais americanas no momento em que iniciasse a aventura militar na Ossétia do Sul (região onde, diga-se de passagem, fala-se língua da família irânica, sem relação com o georgiano, que é língua do grupo sul-caucasiano). Para piorar sua situação, as tropas russas são detestadas na Geórgia, mas são populares na Ossétia. Resumindo: a Geórgia imaginou que tinha entrado no clube.

Não é de se estranhar que a imprensa não tenha dito muito sobre as centenas de milhões de dólares em armas, treinamento, equipamento eletrônico, aviação e morteiros fornecidos por Israel para a Geórgia nos últimos anos. Por volta de 100 agentes israelenses participaram da preparação da invasão georgiana à Ossétia do Sul. O contato aqui foi via Davit Kezerashvili, ministro da defesa georgiano, ex-israelense. Outro ministro georgiano, Temur Yakobashvili, deu entrevista a uma rádio israelense no dia 11 de agosto, afirmando que um pequeno grupo de soldados georgianos foi capaz de dizimar uma divisão militar russa inteira, graças ao treinamento israelense. Tampouco é de se estranhar que depois da surra levada pela Geórgia, Israel tenha subestimado o seu papel no processo.

Mas o que salta aos olhos neste conflito é a completa desmoralização da liderança americana. Há tempos não se via os EUA espernearem tanto com tanta impotência. O vice-presidente Dick Cheney falou em não deixar a agressão russa sem resposta e os russos solenemente ignoraram. O candidato republicano John McCain, cujo principal conselheiro foi lobista do governo georgiano durante anos, batucou seus queridos tambores de guerra sem que os russos dessem o menor sinal de preocupação. O New York Times relatou que duas altas autoridades americanas chegaram ao ponto de afirmar que os EUA estão aprendendo a hora de ficarem calados. Enquanto isso, McCain declarava que no século XXI, as nações não invadem outras nações, talvez imaginando que as invasões americanas no Afeganistão e no Iraque aconteceram no século XVIII.

Se o cálculo da direita americana foi se aproveitar do episódio para reforçar um belicismo que costuma lhe render dividendos eleitorais, há bons motivos para se imaginar que o tiro pode ter saído pela culatra. Não há indicadores claros de que a atual viagem de Condoleeza Rice à região, à reboque do presidente francês Sarkozy, possa reverter esse quadro significativamente. O que é certo é que o presidente Mikhail Saakashvili – que num discurso no sábado passado chegou a evocar McCain, um candidato a uma eleição num país estrangeiro – já pode falar sobre tiros pela culatra com a autoridade de um doutor honoris causa.

Idelber Avelar é profesor do Departmento de Espanhol e Português da Tulane University, New Orleans. Texto originalmente publicado no blog Biscoito Fino e a Massa.