Resenhas de livros sobre Rute

Estas são algumas resenhas que li enquanto preparava meu artigo sobre o livro de Rute, mencionado no post anterior. Estão organizadas por data. Nenhuma pretensão de ser completo. Estas foram as resenhas a que tive acesso durante o mês de novembro passado. Observo, entretanto, que após o livro de André Lacocque, publicado em 2004 e considerado por todos como uma obra notável, houve uma sensível diminuição de publicações sobre Rute.

As resenhas da CBQ = The Catholic Biblical Quarterly não estão online. Até existem na web, mas é preciso ser assinante da revista para ter acesso ao texto. Todas as outras estão disponíveis. A língua é o inglês, exceto a última, escrita em alemão.
 
1997
NIELSEN, K. Ruth: A Commentary. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1997, xvi + 106 p. – ISBN 0664220924
Resenha de Timothy M. Willis, Pepperdine University, Malibu, CA, publicada na RBL em 15/02/1999.
Resenha de Michael S. Moore, publicada na CBQ, Vol. 60, April 1998, p. 338-339.

1998
JENSEN, H. J. L.; NIELSEN, K. Ruths Bog, Esters Bog oj Hojsangen. Copenhagen: Det Danske Bibelselskab, 1998, 197 p. – ISBN 8775233975.
Resenha de Ray Carlton Jones, Randers, Dinamarca, publicada na RBL em 05/04/2002.

1999
BRENNER, A. (ed.) Ruth and Esther. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999, 271 p. – ISBN 1850759782.
Resenha de Lisa Davison, Lexington Theological Seminary, Lexington, KY, publicada na RBL em 19/07/2000.

LINAFELT, T.; BEAL, T. K. Ruth and Esther. Collegeville: Liturgical Press, 1999, xxv + 90 p.; xxii + 130 p. – ISBN 0814650457.
Resenha de Timothy S. Laniak, Gordon-Conwell Theological Seminary, Charlotte, NC, publicada na RBL em 26/11/2001.

ZAKOVITCH, Y. Das Buch Rut: Ein jüdischer Kommentar. Stuttgart: Verlag Katholisches Bibelwerk, 1999, 192 p. – ISBN 3460047712.
Resenha de Kirsten Nielsen, University of Aarhus, Aarhus, Dinamarca, publicada na RBL em 30/10/2000.

2000
WEBB, B. G. Five Festal Garments: Christian Reflections on the Song of Songs, Ruth, Lamentations, Ecclesiastes and Esther. Leicester: Apollos, 2000, 151 p. – ISBN 0830826106.
Resenha de Michael S. Moore, Fuller Theological Seminary Southwest Phoenix, AZ, publicada na RBL em 2001 (sem indicação do dia e do mês).

2001
HERTZBERG, H. W. Giosuè, Giudici, Rut: Traduzione e Commento. Traduzido por Franco Ronchi. Brescia: Paideia, 2001, 336 p. – ISBN 8839406026.
Resenha de Corinne Lanoir, Faculté de théologie, Université de Lausanne, Lausanne, Suíça, publicada na RBL em 18/02/2004.

KORPEL, M. C. A. The Structure of the Book of Ruth. Assen: Van Gorcum, 2001, x + 288 p. – ISBN: 9023236572.
Resenha de Walter Vogels, publicada na CBQ, Vol. 65, January 2003, p. 108-109.
Resenha de Timothy S. Laniak, Gordon-Conwell Theological Seminary, publicada no JHS, Vol. 4, 2002-2003.

2002
ROOP, E. F. Ruth, Jonah, Esther. Scottdale, Pa.: Herald, 2002, 304 p. – ISBN 0836191994.
Resenha de Marjo C. A. Korpel, Faculty of Theology, Utrecht University, Utrecht, Países Baixos, publicada na RBL em 10/08/2003.

2003
VANCE, D. R. A Hebrew Reader for Ruth. Peabody, Mass.: Hendrickson, 2003, x + 85 p. – ISBN 1565637402.
Resenha de Martin Ehrensvärd, University of Aarhus, Aarhus, Dinamarca, publicada na RBL em 15/8/2004.

2004
CAMPBELL, A. F. Joshua to Chronicles: An Introduction. Louisville: Westminster John Knox, 2004, x + 267 p. – ISBN 0664257518.
Resenha de Steven Mckenzie, Rhodes College, Memphis, TN, publicada na RBL em 08/01/2005.
Resenha de Bob Becking, Utrecht University, Utrecht, Países Baixos, publicada na RBL em 08/01/2005.

LACOCQUE, A. Le Livre de Ruth. Genève: Labor et Fides, 2004, 150 p. – ISBN 2830911083.
Resenha de Kirsten Nielsen, University of Aarhus, Aarhus, Dinamarca, publicada na RBL em 15/08/2004.
Resenha de Marjo C. A. Korpel, Utrecht University, Utrecht, Países Baixos, publicada na RBL em 15/01/2005.

LACOCQUE, A. Ruth. Traduzido do francês por K. C. Hanson. Minneapolis: Fortress Press, 2004, xix + 187 p. – ISBN 0800695151.
Resenha de Robert L. Hubbard Jr., North Park Theological Seminary, Chicago, IL, publicada na RBL em 14/05/2005.
Resenha de Michael S. Moore, publicada na CBQ, Vol. 68, January 2006, p. 123-125.
Resenha de Lissa M. Wray Beal, Providence Theological Seminary, publicada no JHS, Vol. 5, 2004-2005.
Resenha de Gerald West, School of Religion & Theology, University of KwaZulu-Natal, S. Africa, publicada em Shofar, Vol. 25, n. 3, 2007, p. 153-155 [acesso ao texto na página da editora do livro e não da revista].

MATTHEWS, V. H. Judges & Ruth. New York: Cambridge University Press, 2004, xxi + 270 p. – ISBN 0521806062.
Resenha de Uwe Becker, Friedrich-Schiller-Universität Jena, Jena, Alemanha, publicada na RBL em 26/09/2004 (em alemão).

Bibliografia sobre Rute

Os Biblistas Mineiros estão terminando de preparar o segundo número de 2008 da revista Estudos Bíblicos, publicada pela Vozes. Este número trata da metodologia de leitura dos textos bíblicos. Escolhemos o livro de Rute como ponto de referência. Fiquei encarregado de escrever sobre a abordagem socioantropológica. A partir de junho de 2008 o texto já deve estar disponível.

Coloco aqui a bibliografia da qual tomei conhecimento durante esta tarefa, embora tenha utilizado apenas uma parte dela. Pode servir a quem queira estudar o livro de Rute. Que é pequeno, muito bem escrito, mas exige algum esforço para ser compreendido.

:: BAUCKHAM, R. The Book of Ruth and the Possibility of a Feminist Canonical Hermeneutic. BibInt, Leiden, Vol. 5, n. 1, p. 29-45, 1997.

:: BEATTIE, D. R. G. Redemption in Ruth, and Related Matters: a Response to Jack M. Sasson. JSOT, Sheffield, Vol. 3, n. 5, p. 65-68, 1978.

:: BERQUIST, J. L. Role Dedifferentiation in the Book of Ruth. JSOT, Sheffield, Vol. 18, n. 57, p. 23-37, 1993.

:: BERQUIST, J. L. (ed.) Approaching Yehud: New Approaches to the Study of the Persian Period. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2007, ix + 249 p. – ISBN 9781589831452.

:: BRENNER, A. (ed.) Ruth and Esther. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999, 271 p. – ISBN 1850759782.

:: BRENNER, A. (org.) Rute a partir de uma leitura de gênero. São Paulo: Paulinas, 2006, 296 p. – ISBN 9788535607505.

:: BOVELL, C. Symmetry, Ruth and Canon. JSOT, Sheffield, Vol. 28, n. 2, p. 175-191, 2003.

:: BRITT, B. Death, Social Conflict, and the Barley Harvest in the Hebrew Bible. JHS , Alberta, Vol. 5, Article 14, p. 1-29, 2005.

:: CARTER, C. E. The Emergence of Yehud in the Persian Period: A Social and Demographic Study. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999, 392 p. – ISBN 9781841270128.

:: DA SILVA, A. J. O discurso socioantropológico: origem e desenvolvimento. Artigo disponível na Ayrton’s Biblical Page.

:: DA SILVA, A. J. Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica. Artigo disponível na Ayrton’s Biblical Page.

:: DAVIES, P. R. In Search of ‘Ancient Israel’. 2. ed. London: T. & T. Clark, [1992] 2005, 166 p. – ISBN 9781850757375.

:: FEWELL, D. N.; GUNN, D. M. Boaz, Pillar of Society: Measures of Worth in the Book of Ruth. JSOT, Sheffield, Vol. 14, n. 45, p. 45-59, 1989.

:: FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N. A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003, 515 p. – ISBN 8589876187.

:: GERSTENBERGER, E. S. Israel in der Perserzeit: 5. und 4. Jahrhundert v. Chr. Stuttgart: Kohlhammer, 2005, 416 Seiten. – ISBN 9783170123373.

:: GOTTWALD, N. K. As Tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004, 939 p. – ISBN 8505004329.

:: GRABBE, L. L. Judaism from Cyrus to Hadrian. Volume One: The Persian and Greek Periods. Minneapolis: Fortress Press, 1992, lx + 311 p. – ISBN 9780800626206.

:: GRABBE, L. L. A History of the Jews and Judaism in the Second Temple Period: Vol 1, A History of the Persian Province of Judah. London: T & T Clark, 2006, 496 p. – ISBN 9780567043528.

:: KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997, 184 p. – ISBN 9788505006796 (Resumo do livro no Observatório Bíblico).

:: KORPEL, M. C. A. The Structure of the Book of Ruth. Assen: Van Gorcum, 2001, x + 288 p. – ISBN: 9023236572.

:: LACOCQUE, A. Le Livre de Ruth. Genève: Labor et Fides, 2004, 150 p. – ISBN 2830911083. Versão inglesa: Ruth. Minneapolis: Fortress Press, 2004, xix + 187 p. – ISBN 0800695151.

:: LIPSCHITS, O.; OEMING, M. (eds.) Judah and the Judeans in the Persian Period. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2006, xxii + 721 p. – ISBN 9781575061047.

:: LOPES, M. Aliança pela Vida: uma leitura de Rute a partir das culturas. RIBLA, Petrópolis, n. 26, p. 110-116, 1997.

:: MATTHEWS, V. H. Judges & Ruth. New York: Cambridge University Press, 2004, xxi + 270 p. – ISBN 0521806062.

:: MATTHEWS, V. H. The Determination of Social Identity in the Story of Ruth. BTB, South Orange, Vol. 36, n. 2, 2006.

:: MESTERS, C. Como ler o livro de Rute: pão, família, terra. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1997, 80 p. – ISBN 9788505012852.

:: MOORE, M. S. Two Textual Anomalies in Ruth. CBQ, Washington DC, Vol. 59, n. 2, p. 234-243, 1997.

:: MOORE, M. S. Ruth the Moabite and the Blessing of Foreigners. CBQ, Washington DC, Vol. 60, n. 2, p. 203-217, 1998.

:: NIELSEN, K. Ruth: A Commentary. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1997, xvi + 106 p. – ISBN 0664220924.

:: OSTRIKER, A. The Book of Ruth and the Love of the Land. BibInt, Leiden, Vol 10 , n. 4, p. 343-359, 2002.

:: PERDUE, L. G. et al. Families in Ancient Israel. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1997, xvi + 285 p. – ISBN 9780664255671.

:: SASSON, J. M. The Issue of Geu’lla in Ruth. JSOT, Sheffield, Vol. 3, n. 5, p. 52-64, 1978.

:: SHEPHERD, D. Violence in the Fields? Translating, Reading, and Revising in Ruth 2. CBQ, Washington DC, Vol. 63, n. 3, p. 444-463, 2001.

:: SMITH, M. S. “Your People Shall be My People”: Family and Covenant in Ruth 1:16-17. CBQ, Washington DC, Vol. 69, n. 2, p. 242-258, 2007.

:: SNEED, M. R. (ed.) Concepts of Class in Ancient Israel. Atlanta, Georgia: Scholars Press, 1999, xiii + 126 p. – ISBN 9780788505720.

:: VAN WOLDE, E. Texts in Dialogue With Texts: Intertextuality in the Ruth and Tamar Narratives. BibInt, Leiden, Vol. 5, n. 1, p. 1-28, 1997.

:: ZENGER, E. et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, 560 p. – ISBN 9788515023288.

Resenhas na RBL – 26.12.2007

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Paul N. Anderson
The Fourth Gospel and the Quest for Jesus: Modern Foundations Reconsidered
Reviewed by Edward W. Klink III

Richard Bauckham
Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony
Reviewed by Christopher Tuckett

Lukas Bormann
Bibelkunde: Altes und Neues Testament
Reviewed by Markus Oehler

Philip F. Esler and Ronald A. Piper
Lazarus, Mary and Martha: A Social-Scientific and Theological Reading of John
Reviewed by Jan G. van der Watt

Barbara Fuß
Neutestamentliches Griechisch: Ein Lernbuch zu Wortschatz und Formenlehre
Reviewed by G. J. (Gerhard) Swart

David E. Garland and Diana R. Garland
Flawed Families of the Bible: How God’s Grace Works through Imperfect Relationships
Reviewed by Jason B. Hood

David Goodblatt
Elements of Ancient Jewish Nationalism
Reviewed by W. Dennis Tucker Jr.

Stephen M. Hildebrand
The Trinitarian Theology of Basil of Caesarea: A Synthesis of Greek Thought and Biblical Truth
Reviewed by Mark Weedman

Andrew Lincoln
Hebrews: A Guide
Reviewed by Martin Karrer

John L. Meech
Paul in Israel’s Story: Self and Community at the Cross
Reviewed by Mark Reasoner

David Noy, Alexander Panayotov, and Hanswulf Bloedhorn, eds.
Inscriptiones Judaicae Orientis: Vol. 1: Eastern Europe
Walter Ameling, ed.
Inscriptiones Judaicae Orientis: Vol. 2: Kleinasien
David Noy and Hanswulf Bloedhorn, eds.
Inscriptiones Judaicae Orientis: Vol. 3: Syria and Cyprus
Reviewed by René Bloch

Eileen M. Schuller
The Dead Sea Scrolls: What Have We Learned?
Reviewed by Ian Werrett

Jens-W. Taeger; Dietrich-Alex Koch and David Bienert, eds
Johanneische Perspektiven: Aufsätze zur Johannesapokalypse und zum johanneischen Kreis 1984-2003
Reviewed by Elisabeth Schüssler Fiorenza

David Toshio Tsumura
The First Book of Samuel
Reviewed by Ralph W. Klein

Jean-Luc Vesco
Le psautier de David: Traduit et commenté
Reviewed by Paul Sanders

Carta Maior e o Velho Chico

Um rio ensina um país – Saul Leblon – Carta Maior: 20/03/2017

Não por acaso a Folha escondeu as fotos da apoteótica confluência entre essa lição e a receptividade da multidão reunida neste domingo no Cariri paraibano.

Quis o destino que um símbolo do maltratado sentido de pertencimento nacional ressurgisse na cena política do país no momento em que todas as demais reservas de esperança em nós mesmos são confiscadas e demolidas.

Inclua-se nessa montanha desordenada de ruínas nossos mais arraigados pilares de identidade e autoestima.

A destruição estratégica da Petrobras, por certo.

Estamos falando daquela referência ferozmente contestada por uma elite que nunca tolerou a presença bem sucedida do interesse público em nossa história, na condição intrinsecamente popular de bem comum.

A luta pelo petróleo brasileiro fixou no imaginário nacional três anátemas aos olhos dos valores dominantes: ‘o Brasil pode, o Brasil sabe, o Brasil faz’.

É tudo o que o discurso atual das ‘reformas’ recusa na busca sôfrega de legitimidade para a agenda antinacional e antissocial que cavalga tendo a população e o interesse brasileiro como cavalgadura involuntária.

A entrega do pre-sal constitui subtração tão ou mais grave de lastro econômico, ideológico e político.

O pre-sal é o ‘Tiradentes’ do nosso tempo.

Sua força emancipadora se insurge contra as trancas, vetos, dogmas e interditos que guarnecem a fronteira da subordinação nacional à gula e à conveniência dos capitais globalizados.

Como um ‘Tiradentes’ estratégico, a ousada premissa de soberania na exploração dessa riqueza recebeu o tratamento dispensado aos amotinados coloniais.

Por crime de soberania nacional, o pre-sal foi condenado e está sendo picado e salgados em praça pública nos dias que correm.

No mesmo martírio fenece o derradeiro impulso industrializante capaz de reconectar a nação brasileira à ponta da revolução industrial do século XXI –a 4.0.

Outras apostas no país que ainda não somos, mas que poderíamos ser, completam a espinha dorsal da nação soterrada nesses escombros de esperanças desautorizadas e aspirações reprimidas.

Muezins proclamam diariamente o jejum das possibilidades nacionais.

A sociedade brasileira, seus direitos, suas demandas, tornou-se um estorvo aos mercados.

O Brasil é um insulto à livre empresa.

Urgências de carne e osso, de cimento e ferro são um atentado ao capital privado.

A Constituição de 1988 não cabe no equilíbrio fiscal.

O que está em marcha é um acerto de contas histórico.

O país assiste à conjura do filé mignon interposta à reivindicação impossível da vasta maioria do povo brasileiro.

Qual seja: fazer parte da nação.

É nesse horizonte marmorizado de barreiras e comportas estritamente vigiadas pelos foscais midiáticos que um jorro iconoclasta irrompe no horizonte geográfico e político, com força pedagógica para sacudir a subjetividade brasileira.

A contrapelo do relevo e da ideologia, ele se lança por um canal de 217 kms, construído entre Pernambuco e a Paraíba, para levar as águas do velho Chico ao sertão ressequido por uma das mais longas e exasperantes estiagens já vividas pelo Nordeste brasileiro, que se arrasta por cinco anos.

O que está em jogo não é apenas a simbologia dessa correnteza republicana.

Essa que une o país pobre ao rico, o úmido ao semi-árido, para beneficiar 12 milhões de vidas sedentas.

É mais que isso.

O ponto é que a integração solidária que Lula e Dilma materializaram, secularmente cogitada e postergada desde Pedro II, jamais seria prioridade da lógica dos livres mercados, ora incensada pelos ventríloquos que tomaram de assalto o Estado brasileiro para aleijá-lo.

Os senhores da nação e da opinião por certo subestimaram o impacto simbólico da conclusão do canal leste da transposição nesse momento.

Quando se aperceberam, as águas já corriam incontroláveis para a apoteose vista neste domingo em Monteiro, na Paraíba.

As imagens colhidas do encontro entre o rio, os sertanejos e Lula são espantosas, mesmo para o histórico regional de empatia entre o povo e o ex-presidente.

Veículos como a Folha passam recibo ao sonegar a informação visual a seus leitores: o jornal da família Frias não publicou uma única foto aberta multidão, em si, a informação política mais relevante do fim de semana e, talvez, da semana.

O efeito histórico, porém, está escrito para sempre em pedra e cal.

Ele escancara aos olhos da nação um paradoxo irreprimível.

Em meios aos escombros do Estado e da sonegada capacidade de investimento nacional, salta a referência de uma obra pública, pactuada nacionalmente, ordenada pelo planejamento democrático e elevada à condição de prioridade estratégica do Estado, para mudar o sentido da vida, da economia e do universo por onde passa.

Sobretudo, realça desse jorro a certeza de que nenhum interesse privado o conduziria até onde chegou.

Não pelos desafios graúdos da engenharia hidráulica.

Mas pelo requisito político que cimenta a obra.

É devastador.

E é isso que é preciso abafar, como faz o jornal dos Frias, porque o conjunto –obra e sua dimensão política– sacode a prostração e o descrédito para abrir uma outra possibilidade ao passo seguinte da nação.

O que se teme é a sinapse capaz de associar o mesmo molde às demais encruzilhadas seculares que asfixiam a sofrida gente brasileira.

Essa é a abrangência épica que irradia das águas do velho Chico: o rio ensina um caminho à nação.

Os meios de comunicação poderão minimizá-lo em registros protocolares, sucedidos de horas e páginas de depreciação.

Contra isso Lula se vacinou domingo: ‘A água está aqui; agora cobrem –disse enfaticamente—‘cobrem as verbas do governo federal para que ela chegue à torneira das casas…’

Eles tentarão minimizar.

Mas a imagem épica da seca sendo rasgada pelo jorro improvável ressurgirá demolidora nas disputas eleitorais como o contraponto fascinante de uma outra rota de futuro para a construção interrompida de que falava Celso Furtado.

Não por acaso, em dezembro de 2004, Lula publicou um artigo em que fixava essa potência histórica da transposição com o nome do economista.

Ele reservou ao paraibano de Pombal, decano dos economistas brasileiros, referência mundial da luta contra o subdesenvolvimento, o batismo do canal leste do São Francisco, que um dia receberá a honra de ostentar o nome de ‘Celso Furtado’.

Quem sabe a partir da eleição de 2018…

Rememorando o amigo e conselheiro falecido um mês antes, dizia Lula naquele artigo: ‘ o subdesenvolvimento não é uma etapa necessária e incontornável do desenvolvimento, mas uma engrenagem regressiva, assentada na aliança perversa entre estruturas injustas e assimetrias internacionais’.

E alertava: ‘esse ensinamento de Celso Furtado resume cinco séculos de história e projeta uma agenda para o futuro. Mantidas essas relações, o acelerador da riqueza aciona o freio da distribuição e aprofunda a desigualdade, perpetuando a injustiça’.

Desarmar essa engrenagem é a própria agenda do desenvolvimento, sublinhava o texto.

A atualidade é evidente quando se aterroriza a nação para coagi-la a entregar seu destino à ação desordenada dos mercados.

A urgente ampliação da margem de autonomia do país para recuperar o comando do seu destino – e assim estabilizar seu investimento– era uma das obsessões de Celso Furtado.

Não se faz isso sem Estado atuante, sem projeto de desenvolvimento sólido e sem futuro democraticamente pactuado e sustentado por organização popular.

Furtado foi premonitório na reflexão dessas interações intrínsecas à luta pelo desenvolvimento, ou ‘contra o subdesenvolvimento’, como preferia hierarquizar.

Sua voz ecoa densa atualidade.

Um país não se transforma em nação soberana e justa, dizia o autor de ‘Formação Econômica do Brasil’, se o seu povo não assumir a frente nas provas cruciais da sua história.

Aquelas que funcionam como um clarão no discernimento coletivo.

A despolitização da agenda do desenvolvimento – decorrente da apartação advertida por Furtado– explica boa parte da encruzilhada atual.

Essa na qual a nação é refém, por exemplo, de uma dívida pública, que não é outra coisa, adverte Luiz Gonzaga Belluzzo, senão a exorbitância da riqueza privada sobre os recursos da nação.

A distorção, uma das provas cruciais, não será corrigida se não for sustentada pelo escrutínio popular.

A anemia estrutural da economia brasileira que hoje se tenta corrigir com arrocho sobre o povo pobre, foi construída assim, em décadas de sangria do público para o privado, e está escriturada em uma dívida cujo serviço e amortização consome cerca de 40% do orçamento.

Em nome desse torniquete saturado montou-se o presente ardil de rendição aos ajustes para impor às famílias assalariadas uma moratória de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários por vinte anos.

Congela-se um desequilíbrio falsificando-se a matriz das suas variáveis.

A partir desse simulacro extrai-se a iminência de uma calamidade.

Cujo tratamento é a rendição incondicional aos ditames dos mercados sem lei.

A obra do São Francisco é uma insurgência de incalculável poder aliciador contra esse desatino, que se escora na ardilosa associação entre iniciativa estatal para o desenvolvimento e corrupção.

Eis a caixa de Pandora que explica todos os males do Brasil, replica diuturnamente o martelete da mídia embarcada.

Nas mãos da capatazia de Curitiba é mais que isso.

É um veredito de interdição à escolha das urnas.

A suposição de que existe um mercado puro –como o Deus com quem o procurador Dallagnol se comunica– enfrenta, no entanto, colisões apreciáveis com a realidade capitalista no século XXI.

Vivemos um tempo em que a supremacia das corporações oligopolistas e a deriva da sociedade e do seu desenvolvimento não são realidades antagônicas.

Antes, exprimem uma racionalidade destrutiva, impossível de se combater sem uma intervenção credenciada do Estado no processo de desenvolvimento.

Aos ingênuos e espertos que elegem o ‘gigantismo estatal’ como o demônio a ser calcinado na fornalha de Curitiba, cabe esclarecer: a tragédia que devora o nosso tempo é de natureza justamente oposta.

No capitalismo, hoje, o cartel planeja a sociedade.

Esse é o fato histórico.

Que nos coloca diante do custo de um ‘intervencionismo’ às avessas.

Aquele impermeável às urnas, ao debate e ao consenso das maiorias.

Com as consequências evidenciadas no ciclo de privatizações dos anos 90 no Brasil, por exemplo, reiteradas agora, pelo agenda do desmonte em marcha.

A saber: um Estado ainda mais fraco; um mercado desregulado ainda mais intempestivo; governantes adicionalmente reféns de interesses particularistas e corruptos, lambança desenfreada e passivos de cidadania exacerbados.

Pior que tudo.

Se consumada, essa recidiva cristalizará a virtual impossibilidade de o Estado brasileiro coordenar a formação dos grandes fundos solicitados pelo agigantamento dos projetos de infraestrutura em nosso tempo.

Indispensáveis à mitigação das secas, por exemplo, agravadas pelo desequilíbrio climático extremo, como se constata no cenário dramático do semiárido nordestino atualmente.

Mas também para o atendimento da saúde pública, da educação de qualidade, da urbanização convergente

Etc.

Essa agregação de grandes massas de capitais tem que ser feita por alguém.

Que ela ocorra por meio de cartéis dilapidadores ou se dê pela subordinação ao planejamento democrático do Estado, eis a disjuntiva crucial que atualiza a obsessão de Celso Furtado pela conquista de autonomia nas decisões do desenvolvimento.

Boa parte do desafio brasileiro hoje gira em torno desse nó górdio: quem vai organizar o passo seguinte da nação inconclusa e da cidadania sonegada?

A repactuação democrática do desenvolvimento, ou os apetites irrefletidos dos mercados?

Definitivamente, esse não é um caso de polícia.

A mitologia difundida pelo jornalismo rastaquera alardeia que a purga de Moro fará emergir um capitalismo saneado, capaz de assumir as tarefas e desafios brasileiros no século XXI.

Doce enganação.

O rebote fulminante da desigualdade hoje no Brasil, depois de 22 anos de recuo sistemáticos, demonstra que a panaceia dos livres mercados é apenas um álibi de coisa pior.

O país real e o seu desenvolvimento continuam à espera de um jorro político que devolva à urna, ao Estado e ao planejamento democrático o comando do seu destino.

A inflexão subversiva do São Francisco rumo ao Cariri carrega a força das correntezas com poder de sacudir a fatalidade da narrativa dominante.

Contra ela ergue-se agora uma pedagogia de materialidade fluvial: um rio ensina o caminho ao país. Não por acaso a Folha escondeu as fotos da apoteótica confluência entre essa lição e a receptividade da multidão espantosa reunida neste domingo histórico em Monteiro, no Cariri paraibano.

John Strugnell por Hanan e Esther Eshel

Em um belo texto publicado na página do Orion Center, na seção “In Memoriam”, John Strugnell é homenageado por Hanan e Esther Eshel, da Universidade Bar Ilan, Israel.

Sobre John Strugnell, pesquisador dos Manuscritos do Mar Morto, falecido em 30 de novembro passado, leia mais aqui.

Sobre os autores:
Hanan Eshel is an archaeologist, teaching at Bar Ilan University. His field of interest is refuge caves from the Bar Kokhba revolt, and the Qumran scrolls. He has excavated a dozen caves that Jews fled to in 135 CE and in them found 21 documents written on papyri.

Esther Eshel is a lecturer at the Bible Department, Bar Ilan University, where she researches the late books of the Bible and Jewish literature of the Second Temple period and epigraphy (the study of inscriptions). She has published 13 scrolls found in cave 4 at Qumran.

Nano bíblia

A notícia já saiu em vários meios de comunicação e pode ser encontrada com facilidade em muitos biblioblogs em inglês. Fica aqui o registro.

Cientistas israelenses criam nano bíblia

Cientistas do Instituto Technion, em Haifa (Israel) acabam de bater o recorde de menor Bíblia do mundo – ou, pelo menos, do menor Antigo Testamento já impresso. A equipe, liderada por Uri Sivan, diretor do Instituto de Nanotecnologia do Technion, e Alex Lahav, ex-chefe do Instituto de Pesquisas em Microeletrônica, conseguiu Nano Bíblia - do tamanho de uma cabeça de alfinete“escrever” as 308.428 palavras da primeira parte da Bíblia sobre uma superfície de 0.5mm² de silício, coberta por uma camada de ouro de 20 nanômetros. A nano bíblia foi escrita com a técnica de Feixe de Íons em Foco (FIB, na sigla em inglês). Ao se direcionar um feixe de partículas para um ponto sobre a superfície, os átomos de ouro saem desse ponto, expondo assim a camada de silício que estava por baixo. O diâmetro do ponto exposto tem cerca de 40 nanômetros. Ao observar as palavras escritas sob um microscópio eletrônico de varredura (SEM, em inglês), os pontos expostos de silício ficam mais escuros que o ouro em sua volta, facilitando a leitura. Ao direcionar um feixe de partículas para vários pontos sobre o substrato, é possível gravar qualquer padrão de pontos, especialmente aquele que represente um texto. Agora, os cientistas estão tentando fotografar a nano bíblia com o SEM. Assim, eles poderão ampliar a fotografia em 10.000 vezes e exibi-la em uma parede gigante na Faculdade de Física do Instituto. Assim, o texto ficará visível a olho nu em um painel de 7m x 7m.

Fonte: Scientific American Brasil: 21.12.2007

 

And Out of Zion Will Come the World’s First Nano-Torah – Arutz Sheva: 17 Tevet 5768, December 26, ’07

Out of Zion has come the world’s tiniest Bible, engraved in gold on silicon, to illustrate the science of nanotechnology.

More than 300,000 words and 1,200,000 letters, including vowels have been placed on less than half a square millimeter, allowing the tiny Torah to fit inside the first dot of the first letter of a traditional Torah scroll.

“We took a piece of silicon and evaporated a very small layer of gold over it, about twenty nanometers thick,” explained Ohad Zohar, a Ph.D. student at the Technion, on Israel National Radio’s Yishai Fleisher Show. A nanometer is about a billionth of a meter.

“We then used a focused ion beam to inscribe the Biblical text on it,” Zohar said. “What the focused ion beam does is shoot gallium ions, focusing the charged particles on the substrip [of gold]. It digs little holes and each hole is a pixel for whatever picture you would like. In our case this is the Tanach [Five Books of Moses, Prophets and Writings –ed.].”

“What did you make this for?” asked Fleisher.

“It is not for ordinary use, of course,” Zohar said. “To read it you need very expensive equipment. You cannot read it with a magnifying glass or even the best optical microscope. You need an electron microscope to read it. It is not intended to replace any storage devices out there. We did this as part of a massive educational program aimed at mostly high school students to explain different methods of storing information and spark an interest in Nanotechnology.” The project was sponsored and conducted at the Russell Berrie Nanotechnology Institute at Haifa’s Technion Institute of Technology.

“What does the future hold for such technology?” Fleisher asked.

“The current technology is predicted to continue shrinking and doubling capacity for many years until some ultimate limitation is reached,” Zohar said. “Storing the same amount of information will take four times this area on a modern hard disk, and about 140 times this area on a triple layer DVD. Our nano-bible is [currently] a record holder. But in the future we can think about putting information, one bit per atom, on a substrip. On our Bible, we used 14 nanometers diameter for the smallest dot we had. So if we use an atom, the diameter will be only one tenth of a nanometer – two hundred times smaller. This is interesting. It is 160,000 times denser than our Bible.

“Also, the information for our Bible is encoded in small holes 20 nanometers deep, but the chip itself is half a millimeter thick. To achieve higher storage densities we will have to utilize the volume of the storage media and not only its surface. One working example we are familiar with is the storage of our genetic information in DNA molecules. If we could achieve a comparable storage density, we could fit a billion copies of the bible in the volume of our chip.”

Zohar sees the Bible project as a modern throwback to the etching of the ancient text. “We carved it in stone – silicon and gold. We did it the ancient way – just much, much smaller,” he said.

“The nano-Bible project demonstrates the ability of miniaturization at our disposal. We are working hard at present on photographing the nano-Bible using the Scanning Electron Microscope, with the aim of enlarging the photo by 10,000 times and displaying it on a giant wall in the Technion’s Faculty of Physics. In this picture, which will be 7 meters by 7 meters, it will be possible to read the entire Bible with the naked eye (the height of each letter will be some 3 millimeters). Near this picture, the original – the nano-Bible itself, which is the size a grain of sugar – will be displayed,” Zohar said.

Veja o texto também no PaleoJudaica.com, de Jim Davila.

O valente Aloísio Lorscheider

D. Aloísio Lorscheider, lúcido e valente – Luiz Alberto Gómez de Souza – Carta Maior: 24/12/2007

Eu trabalhava com D. Hélder, numa daquelas salas escuras do Palácio São Joaquim, quando ele nos anunciou: “quero apresentá-los o jovem bispo de Santo Ângelo, da zona missioneira do Rio Grande, importante teólogo, que será uma figura central na Igreja do Brasil”. Tínhamos diante de nós um bispo alto, fala com sotaque forte da região alemã e, por que não dizê-lo, um tom de voz meio estranho. Creio que foi no meio do Vaticano II. Logo se faria entender na Conferência dos Bispos, com intervenções lúcidas, a ponto de ser eleito secretário geral da CNBB. Tempos da ditadura e da repressão. Sua fala mansa escondia uma firmeza e uma precisão que deixavam os presidentes militares irritados. Outro gaúcho, este de poucas luzes, que não via além das cavalariças, Médici, o expulsou irritado de sua sala. D. Aloísio passou depois a presidente da CNBB, em dobradinha com seu primo, Ivo Lorscheiter, como novo secretário geral. Sobrenomes quase iguais, um com d, outro com t, eram da mesma família. Nunca foi tão apropriada essa combinação de parentesco, ideias e complementariedade. Ivo era mais explosivo, Aloísio falava manso. Entendiam-se sem precisar falar um com o outro. Dois valentes em tempos de chumbo.

Ivo recebeu o patriarca de Veneza, Albino Luciano, em sua casa em Santa Maria e quando morreu Paulo VI, este votou várias vezes, no conclave, no primo dele, Aloísio. Estava no ar seu nome para papa. Alegavam alguns, que pensavam em italianos, que tinha problemas de coração, passara por um enfarto. Queriam afastar a ele e ao Cardeal Arns , dois franciscanos, como possíveis e perigosos papas. Foi eleito o patriarca, que viveu 33 dias em Roma. Nova eleição e voltou o nome de Aloísio. Novamente levantaram o pretexto de saúde, agora agravado pela morte fulminante de João Paulo I. Preferiram um polonês jovem que era esquiador e que instalou-se no papado por mais de um quarto de século. Mas a verdade é que partiu antes de D. Aloísio e seu pontificado foi, como disse alguém, a volta à grande disciplina.

Os dois se encontraram na reunião dos bispos em Puebla, janeiro de 1979. O novo papa chegou falando duramente em seu discurso. Lembro como vários de nós, que estávamos ali, do lado de fora, assessorando oficiosamente bispos amigos, ficamos desalentados e pessimistas. Foi o grande teólogo Gustavo Gutiérrez quem deu ânimo. O texto do papa tinha três partes, duas negativas e a terceira abrindo caminhos. Nosso peruano, com a resistência índia diante de tantos anos de dominação, deu a chave: ler as duas primeiras partes à luz da terceira! Mas o grande momento estava por vir, no dia seguinte. D. Aloísio, nesse momento, era presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). Fez um discurso curto e claro, abrindo os trabalhos. Era hora, disse ele, de pensar com liberdade e ousadia os graves problemas de nossa região. Liberou a assembleia e entrou uma luz que abriu portas e janelas.

Alguns bispos mais conservadores, depois do discurso do papa, chegaram a dizer que agora bastava tomar seu texto e publicá-lo como documento da assembleia. O plenário não aceitou e Puebla, confirmando a reunião anterior de Medellín, denunciou o pecado social do continente, fez a opção pelos pobres. e anunciou as comunidades eclesiais de base como instrumentos de evangelização e de transformação. Graças em boa parte ao clima que D. Aloísio criou e a um grande bispo que iria ser seu sucessor na CNBB anos mais tarde, Luciano Mendes de Almeida, na comissão coordenadora dos debates.

Pela política vaticana, nunca foi nomeado para Rio ou São Paulo, mas ficou em Fortaleza, que pela primeira e talvez única vez teve um cardeal. Depois, o mandaram para Aparecida, diocese mais honorífica que importante. Seu primo também nunca chegou a arcebispo de Porto Alegre, preterido por bispos anodinos e morreu bispo em Santa Maria. As cúrias temem figuras fortes. D. Hélder , como mais tarde D. Luciano, não veio ao Rio, nem foi cardeal, ainda que, ao que parece, João XXIII o chamou uma vez de “il mio cardinaletto.”

Nos últimos anos, D. Aloísio partiu para o convento franciscano de Porto Alegre, onde morreu. Mereceria uma biografia, como algumas que foram surgindo, do Cardeal Arns, Hélder Câmara, Waldyr Calheiros e vários outros. Através delas podemos reconstituir uma época gloriosa da Igreja Católica brasileira. Não sou pessimista, achando que as grandes figuras ficaram no passado. Alguns se referem às nomeações de bispos conservadores. O que esquecem é que vários bispos, como D. Hélder ou D. Romero, vieram de posições tradicionais e o trabalho pastoral e o povo de Deus os converteram. Tenho feito reparos a uma posição política de D. Cappio, misturando Fé e posições de cidadania, valentes sem dúvida, ao mesmo tempo que insisto em seu carisma, junto com valentes bispos hoje aposentados e outros como Erwin Keutler, Demétrio Valentini ou Moacyr Grechi, que aí estão para sinalizar posições significativas.

Mas o importante não são apenas bispos, o que seria uma visão de cima para baixo, mas a ação eclesial de pastorais, CEBs e movimentos, renovando e abrindo caminhos. Esse trabalho nas bases tem aberto os olhos de pastores e clero. D. Aloísio foi um teólogo que entendeu a caminhada do povo de Deus e ficará como um marco numa Igreja que terá que se renovar e superar simplismos e medos de certos temas (sacerdócio de mulheres e casados, sexualidade, reprodução, ecumenismo), mantendo a opção pelo pobre e excluído, para saber enfrentar os desafios deste século XXI. Isso sem misturar planos, mas aceitando que vivemos numa sociedade secular laica, onde a Igreja tem de renunciar a ressaibos de velhas cristandades e, humildemente, dar testemunho aos lado de tantos “homens e mulheres de boa vontade”, para usar a expressão de João XXIII, que também anunciou primaveras pela frente.

Morreu o Cardeal Lorscheider

Morreu, nesta madrugada, em Porto Alegre, aos 83 anos, Dom Aloísio Lorscheider. Veja a nota da CNBB e leia mais aqui. Fique de olho, porque muitos testemunhos interessantes sobre ele devem ser publicados nos próximos dias.

Em Roma, na década de 70, tive e a honra de conviver com este grande homem, quando, ocupando vários cargos de importância na Igreja, ele sempre estava por lá e se hospedava no Colégio Pio Brasileiro, onde morei de 1970 a 1976.

Muitas coisas poderiam ser ditas desta convivência: desde os colegas de Fortaleza, grandes amigos, que ele mandou para Roma para cursar Mestrado e Doutorado em várias áreas da Teologia, como José Maria, Dourado, Manfredo, Adalberto e muitos outros… até o modo, como carinhosamente, entre nós, o tratávamos – o “Moderado” – pelo seu jeito habilidoso de resolver espinhosas crises… sem se esquecer do posterior boato (fato!) de que teria sido o sucessor de Paulo VI se um problema cardíaco não o tivesse impedido…

Só quero lembrar um acontecimento: em 1976, no dia em que foi nomeado Cardeal, ele chegou ao Pio Brasileiro já tarde, depois de uma jornada de cansativo trabalho no Vaticano. Foi jantar em horário incomum e um grupo de amigos sentou-se à mesa com ele. Eu estava lá. Com simplicidade, como se nada de extraordinário tivesse acontecido, conversava tranqüilamente conosco, enquanto na portaria do Colégio, alguns colegas lutavam, com dificuldade, para conter as várias equipes de televisões e jornais de diferentes países que o solicitavam com ansiedade para entrevistas…