O livro de Isaías representa a pregação de um único profeta ou será uma coletânea de ditos proféticos de várias épocas?

Como pode ser lido em meu Livro de Visitas, com data de 20 de setembro de 2006, há pessoas que discordam das conclusões acadêmicas predominantes sobre o livro do profeta Isaías.

No caso em questão, a pessoa que me honra com sua visita à Ayrton’s Biblical Page escreve: “…Gostaria de manifestar minha discordância sobre o seu ponto de vista em relação à redação do livro de Isaías, como coletânea de ditos proféticos de várias épocas…” (José Maurício P. Nepomuceno – 20/09/2006) [Observo, em 21.05.2018, que este livro de visitas não está mais disponível online].

Antes de prosseguir, quero, contudo, deixar claro que não pretendo convencer ninguém, muito menos meu visitante, pois, frequentemente, esta ou aquela argumentação pode estar fundada em crença. E crença eu não discuto, respeito. Meu empenho é acadêmico, segundo uma assentada tradição de vários séculos. O que gostaria de apresentar é apenas uma pequena amostra do que se estuda na academia, meio no qual estou desde a década de 70 do século passado.

Um ponto que quase sempre leva a muita polêmica e pouca ciência é a divergência hermenêutica em questões bíblicas. Por isso, esclareço minha posição, que pode ser eventualmente verificada em três fontes:

DA SILVA, A. J. A Voz Necessária: encontro com os profetas do século VIII a.C. São Paulo: Paulus, 1998. Versão atualizada em 2011. Disponível online.

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A Interpretação da Bíblia na Igreja. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. O texto está disponível online, também em português, no site do Vaticano.

SCHÖKEL, L. A. A Palavra Inspirada: a Bíblia à luz da ciência da linguagem. São Paulo: Loyola, 1992.

Mas, sobre o livro de Isaías vejamos:

  • Autores como Moisés ben Samuel Ibn Gekatilla, no século XI d.C., ou o seu continuador, Ibn Ezra, no século XII, já atribuíam a primeira parte (Is 1-39) ao profeta Isaías e a segunda (Is 40-66) à época do exílio. Hoje sabemos que: Isaías: 740-701 a.C. e exílio babilônico: 587/6- 539/8 a.C.)
  • Na pesquisa do livro de Isaías há duas datas-chave: 1789, quando J. C. Döderlein começa a falar do Dêutero-Isaías, profeta anônimo dos tempos do exílio, ao qual atribui os capítulos 40-66, e 1892, ano em que B. Duhm publica o seu comentário a Isaías, e rompe a suposta unidade dos capítulos 40-66, atribuindo-os a dois autores diferentes: 40-55 ao Dêutero-Isaías e 56-66 ao Trito-Isaías. A partir de então é comum dividir o livro de Isaías em três grandes blocos: Proto-Isaías ou Isaías I (1-39), Dêutero-Isaías ou Isaías II (40-55) e Trito-Isaías (56-66). O livro de Bernhard Duhm, em alemão, chama-se “Das Buch Jesaja” e a edição que conheço é a de 1968, publicada em Göttingen, pela editora Vandenhoeck & Ruprecht.
  • Não se pense, porém, que exista unanimidade nestas questões. Sobretudo, ainda continua existindo um grupo de nostálgicos que atribui todo o livro ao Isaías do século VIII. A lista destes autores é mais abundante do que se poderia imaginar, mas, só no século XX podemos citar aqui Margoliouth, G. L. Robinson, Lias, Ridderbos, Kaminka, Wordsworth, Kissane, Allis, Young, Slitki, R. K. Harrison, Gozzo, Mariani, Vaccari, Möller, Baron, Spadafora. Recorrem a vários argumentos, mas o que mais desagrada a este grupo é o fato de que se negue o elemento preditivo na profecia. Apesar disto, os nostálgicos perderam a batalha. Seus argumentos não convencem.

Para uma leitura sensata do livro de Isaías, recomendo um especialista muito respeitado, com obra traduzida em português, que é o Luis Alonso Schökel. Veja: SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAZ, J. L. Profetas I: Isaías. Jeremias. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004.

Lembro aos interessados que a tese de doutorado de Luis Alonso Schökel (1920-1998) é sobre Isaías: Estudios de poética hebrea. Barcelona: Juan Flores, 1963, 560 p.

Veja dele, ainda: A Bíblia do Peregrino, lançada na Espanha em 1996 e publicada no Brasil em 2002. As notas de rodapé são muito interessantes.

E, finalmente, leia também, em minha página: Perguntas mais frequentes sobre o profeta Isaías, com bibliografia, no final, para quem desejar saber mais.

Sete perguntas instigantes sobre a farsa do dossiê

Crônica de um golpe anunciado

Vimos acompanhando todos, já faz alguns meses, inúmeros pedidos de impeachment sendo plantados e acalentados pela grande imprensa, semana sim semana também. O esdrúxulo e extemporâneo impeachment não colou, pois, além de não haver base legal que justificasse o impedimento do presidente da República, como se sabe, Luiz Inácio Lula da Silva e seu governo têm altos índices de aprovação junto à população. A “vocalização” do impedimento do presidente na grande imprensa parecia ter apenas a intenção de causar ao governo algum desgaste político. Parecia. Mas, percebe-se agora, visava preparar o terreno para um golpe que pretende desalojar Lula do Palácio do Planalto “na raça”, na base do golpe sujo, utilizando-se de métodos escusos.

Os velhos “donos do poder” (utilizando-se de expressão cunhada por Faoro) desejam a chefia do executivo federal de volta às suas mãos de qualquer jeito – pois o poder seria deles “de direito”, algo que lhes seria devido, inato. Como a candidatura do “decepcionante” Alckmin não decolou, a última cartada seria mesmo “ganhar no tapetão”.

Primeiro, a 15 dias das eleições, arma-se uma arapuca “fatal” para Lula e o PT (seu partido). Com a devida manipulação do episódios na mídia, cria-se um clima de comoção, decepção e desalento, e faz-se, em seguida, pesquisas no calor da hora. Se nem assim o candidato dos “coronéis” (os cordatos e os nem tanto) subir, manipulam-se algumas pesquisas. E, se nem com essa bem urdida “arapuca”, conseguirem acabar com a candidatura Lula, o jeito seria embargar sua candidatura na Justiça ou, se eleito, impedi-lo de governar criando várias CPIs e revivendo o turbilhão político do último ano e meio de seu primeiro mandato. O lance é não permitir um segundo mandato, de qualquer jeito. Vamos à cronologia e etapas dos últimos acontecimentos.

Na semana do feriado de 7 de setembro, começaram a circular boatos de que uma “bomba” envolvendo o presidente Lula estava por ser detonada pela oposição – envolveria pessoa muito próxima ao presidente e seria avassaladora. Como esse tipo de “chantagem”, boatos e ameaças são comuns ao jogo eleitoral, não lhes dei muita atenção e importância. Na semana seguinte ao 7 de Setembro, já na segunda-feira, 11, porém, os boatos começaram a se intensificar.

Foi quando, para minha surpresa, no dia 14, surgiu pela primeira vez na “blogosfera”, mais precisamente no blog do Noblat, a notícia de que vinha, sim, uma bomba, mas era, ao contrário do esperado, um artefato que explodiria no colo da candidatura de José Serra: em entrevista os Vedoin (pai e filho) comprometiam José Serra com a chamada máfia dos “sanguessugas”, mostrando, inclusive, farta documentação comprobatória. Noblat postou essa notícia às 21h12 do dia 14 como já dito. Acompanhei a repercussão dessa notícia, durante todo o dia 14, nos sites das grandes empresas jornalísticas. Não houve. Não saiu uma nota sequer. No dia seguinte, procurei nos jornais dos grandes grupos de comunicação: nem uma notinha de pé de página (registro que o “blog do Noblat” é acolhido pelo grupo O Estado de São Paulo, um jornal, todos sabem, “de direita”, conservador). Curiosamente, a notícia, inicialmente postada pelo Noblat, só começou a ser veiculada na Folha e em outros “jornalões” quando já se tinha a notícia de que duas pessoas supostamente ligadas ao PT haviam sido presas com R$1,7 milhão que seriam utilizados para comprar um tal dossiê envolvendo José Serra e Geraldo Alckmin (esse seria supostamente o ingrediente novo: o envolvimento de Alckmin) com a máfia das ambulâncias (ou dos “sanguessugas”, como queira). O que antes parecia algo restrito a atingir a candidatura de José Serra ao governo do estado de São Paulo, também resvalava em Alckmin. Na verdade, comprovar-se-ia depois, a intenção daquele episódio todo era atingir a candidatura Lula – agora, com a citação em depoimento de um assessor do presidente isso ficou evidenciado. Bingo! O petardo havia então acertado o alvo. O foco central, a notícia sobre o envolvimento de Serra com a máfia dos “sanguessugas”, foi abandonado, deixado de lado. O foco da notícia agora passava a ser o Partido dos Trabalhadores e o governo Lula. O PT e Lula estavam de volta ao patíbulo.

O que estava ocorrendo, afinal? – perguntavam-se todos, entre incrédulos e perplexos. Uma bem urdida “armação? Uma orquestração? Uma “arapuca” armada pelos tucanos e/ou pefelistas, que haviam buscado aproximar os Vedoin de petistas desavisados? Compraram alguns “petistas” na bacia das almas? – na verdade, pessoas infiltradas no partido Ou seria mais uma “tremenda vacilada” de algum petista incauto? Para quem ainda se lembrava do inverossímil episódio dos tais dólares na cueca, tudo era possível. Mas, algumas perguntas restam ser respondidas, pois há indícios sérios, mais ou menos evidentes, que nos causam estranheza ou, no mínimo, desconfiança de uma armação.

1. Por que um dos cidadãos detidos foi logo dizendo, de imediato, que era do PT? Só faltou, para ficar bem na foto, a camisa do PT vestindo o meliante. Lembram do seqüestro de Abílio Diniz – hoje com Lula? Não seria esperado que ele, o cidadão detido em flagrante, caso estivesse realmente a serviço do partido, não revelasse essa informação nem sob tortura?

2. Por que supostos petistas comprariam por, repito, R$1,7 milhão um “dossiê” que continha fatos e informações que não valiam nem um tostão furado – disseram que pediram inicialmente R$20 milhões? Aquelas fotos já haviam saído na imprensa e sido amplamente divulgadas.

3. Por que os petistas, sabendo que os Vedoin estavam sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, não avisariam a própria PF e ao MP sob a tentativa dos indiciados de vender-lhes essas provas? – assim eles obteriam as provas graciosamente e ainda incriminariam mais os verdadeiramente envolvidos com a máfia (os Vedoin e agora, ao que parece, José Serra).

4. Por que só agora resolveram denunciar José Serra? Estavam negociando o dossiê antes com o PSDB?

5. Por que envolveram, de imediato, um assessor da Presidência da República nessa mal contada história – se o depoente não sabia sequer precisar o nome da pessoa. Por que na acareação o acusador tão falante até então, calou-se?

6. Afinal, quem negociou por parte do PT foi o Diretório Estadual, como se disse no início, ou o Nacional, como se diz agora? Não é estranho que um militante recém-ingressado no partido (filiou-se em 2004) seja destacado para tão importante, delicada e “suicida” missão às vésperas da eleição?

7. E esse novo episódio do grampo nos telefones dos ministros do TSE? Não lhes parece estranho? Por que a varredura foi feita? Por que foi divulgada sem que antes houvesse uma necessária investigação? A quem interessaria a essa altura conturbar o processo eleitoral? É da democracia que o presidente do TSE reúna-se com políticos da oposição para estudarem juntos uma forma de impugnar a candidatura do presidente em exercício? Certamente que não!

Enfim, prezado leitores, é tão absurda e impensável toda essa situação que só mesmo aguardando uma competente e acurada investigação da Polícia Federal. Não precipitemos o julgamento. Foi armação? Teria sido uma contramedida de uma dos “gestapos” incrustados no Estado para favorecer José Serra – lembram-se do caso Lunus, que destruiu a candidatura de Roseana Sarney? Lembram do Dossiê Cayman – era verdadeiro ou não? E a lista de Furnas? E a pasta rosa? Há uma vasta oferta de Dossiês no mercado negro da política.

Só que, passado o calor do momento, para o dia 1º de outubro, o estrago na campanha à reeleição de Lula já terá sido fato consumado. Ao passo que a campanha de Alckmin, e, principalmente, a do Serra, passam incólumes. Quem foi a priori condenado nesse episódio, pela grande imprensa, foi, de novo, o PT. Será esse episódio suficiente e necessário para servir como um novo pretexto a um recrudescimento do já evidente parcialismo da grande imprensa pró-Alckmin e pró-Serra? Só nos restar aguardar, e, de olhos bem atentos e vigilantes, reclamar um tratamento mais equânime às candidaturas na mídia. E denunciar, sempre.

E que não insistam em velhas receitas e estratégias golpistas, pois, essa democracia que aí está, com toda sua fragilidade e podridão, hipocrisia e “gansgsterianismo” das máfias políticas, é a que temos, por enquanto, enquanto a tão necessária reforma política não vem. E se o “rei” tentar derrubar o “peão” “no tapetão” sairemos todos às ruas para, como nas Diretas-Já, fazer valer a vontade do povo.

Fonte: Lula Miranda – Carta Maior: 19/09/2006

Mais uma vez o Javista se despede do Pentateuco. Mas para onde ele estaria indo?

A SBL, na sua coleção SBL Symposium Series, publicou, recentemente, mais um estudo sobre o Pentateuco:

 

DOZEMAN, Thomas B; SCHMID, Konrad. (eds.) A Farewell to the Yahwist? The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2006, viii + 198 p.

Ou seja: Um adeus para o Javista? A composição do Pentateuco na interpretação européia recente.

 

Para quem vem acompanhando o debate sobre Pentateuco e, especialmente, o caso do Javista, vale a pena conferir primeiro o que escrevi no dia 5 de agosto passado no Observatório Bíblico com o título O que aconteceu com o Javista na atual pesquisa do Pentateuco? Ele desapareceu e levou consigo a Hipótese Documentária, explica Rolf Rendtorff, e no dia 24 de agosto com o título O que aconteceu com o Javista na atual pesquisa do Pentateuco? Van Seters responde a Rolf Rendtorff.

Neste volume temos valiosas contribuições de alguns dos maiores nomes da pesquisa na área de Pentateuco. Eis o sumário:

Introduction: Thomas B. Dozeman and Konrad Schmid

Part 1: Main Papers
  • Thomas Christian Römer: The Elusive Yahwist: A Short History of Research
  • Konrad Schmid: The So-Called Yahwist and the Literary Gap between Genesis and Exodus
  • Albert de Pury: The Jacob Story and the Beginning of the Formation of the Pentateuch
  • Jan Christian Gertz: The Transition between the Books of Genesis and Exodus
  • Erhard Blum: The Literary Connection between the Books of Genesis and Exodus and the End of the Book of Joshua
  • Thomas B. Dozeman: The Commission of Moses and the Book of Genesis

 

Part 2: Responses
  • Christoph Levin: The Yahwist and the Redactional Link between Genesis and Exodus
  • John Van Seters: The Report of the Yahwist’s Demise Has Been Greatly Exaggerated!
  • David M. Carr: What Is Required to Identify Pre-Priestly Narrative Connections between Genesis and Exodus? Some General Reflections and Specific Cases

A sinopse da editora diz o seguinte:

Since the “assured results” of scholarship are rarely certain, it should come as no surprise that the classical formulation of the Documentary Hypothesis has yet again been called into question. However, many North American scholars are unfamiliar with the work of a new generation of European scholars who are advancing an alternate view of the compositional history of the Pentateuch. A growing consensus in Europe argues that the larger blocks of pentateuchal tradition, especially the stories of the patriarchs and Moses, were not redactionally linked before the Priestly Code, as the J hypothesis suggests, but existed side by side as two independent, rival myths of Israel’s origins. This volume makes available both the most recent European scholarship on the Pentateuch and its critical discussion, providing a helpful resource and fostering further dialogue between North American and European interpreters.

Lembrando, finalmente, que Thomas B. Dozeman é Professor de Bíblia Hebraica no United Theological Seminary, em Dayton, Ohio, USA, enquanto Konrad Schmid é Professor de Antigo Testamento na Universidade de Zurique, Suiça. E que uma versão desta obra, em capa dura (hardback), foi publicada pela Editora Brill.

O livro pode ser encontrado em muitas livrarias online, inclusive na Amazon.com.