História de Israel 28

Páginas 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18 | 19 | 20 | 21 | 22 | 23 | 24 | 25 | 26 | 27 | 28 | 29 | 30 | 31 | 32 | 33 | 34

leitura: 11 min

 9.3. Jônatas, o primeiro Sumo Sacerdote Macabeu (160-143 a.C.)

Com a morte de Judas, o comando da luta passa para Jônatas, seu irmão. E entre 160 e 143 a.C. as vitórias dos Macabeus multiplicar-se-ão.

Após a morte de Judas, Báquides reforça as posições selêucidas no território judeu. A situação fica difícil, ainda mais que uma fome terrível alastra-se na Judeia.

Diz 1Mc 9,23-26:

“Depois da morte de Judas, reapareceram sobre todo o território de Israel os iníquos, e reergueram-se todos os que praticavam a injustiça. Por aqueles dias também alastrou-se uma fome terrível, de modo que o país se passou para o lado deles. Báquides, por seu turno, escolheu dentre os homens ímpios aqueles a quem constituiu senhores do país. Estes instauravam perquirições e devassas contra os amigos de Judas, fazendo-os comparecer diante de Báquides, o qual deles se vingava e os cobria de irrisão”.

A fome deve ser consequência de uma má colheita feita após o ano sabático de outubro de 163 a outubro de 162 a.C. Ex 23,10-11 e Lv 25,2-7 determinam que a cada sete anos a terra deve ser deixada em repouso durante um ano. É o ano do alqueive. “Alqueivar” significa lavrar a terra e deixá-la de pouso para que recupere sua força produtiva. Os especialistas divergem sobre o modo como funciona o ano do alqueive. Uns acham que os campos são lavrados e deixados para que os pobres os cultivem. Outros acham que o produto do sétimo ano é levado para celeiros comunitários e distribuídos aos pobres. Outros, ainda, pensam que, na verdade, a terra deixa de ser cultivada somente durante dois meses, no outono.

R. Gnuse comenta: “Embora em sua maioria os comentaristas acreditem que a primitiva legislação do Êxodo fosse realmente praticada, muitos são de opinião de que a versão do Levítico constituía uma projeção idealista. Enquanto Ex 23,10-11 permite o revezamento da terra, o Levítico diz que a cada sete anos deve haver simultaneamente um ano de alqueive universal”[23].

É então que, face à fome e à restauração da tendência helenizante, Jônatas assume a liderança dos judeus para enfrentar a situação.

Jônatas é perseguido por Báquides e se refugia no deserto, na região de Técua. Os wadis (riachos secos) que descem para o Mar Morto são ótimos refúgios para os revolucionários Macabeus, como já o tinham sido para os partidários de Davi (1Sm 24) e, futuramente, o serão também para os partidários de Bar-Kosibah por ocasião da revolta judaica de 132-135 d.C.

O irmão de Jônatas, João, cai numa emboscada em Mádaba e é morto por nabateus, os filhos de Iambri. Jônatas vinga-se do massacre de seu irmão. Neste meio tempo morre o sumo sacerdote Alcimo, em 159 a.C. Jônatas enfrenta e vence Báquides em Bet-Basi e em seguida estabelece a paz com este governador selêucida, que se retira para a Síria. Diz 1Mc 9,73:

“Cessou, assim, a espada, de afligir Israel. E Jônatas estabeleceu-se em Macmas, onde começou a governar o povo. Ele fez desaparecer os ímpios do meio de Israel”.

C. Saulnier observa que a retirada de Báquides parece incompreensível, “embora possamos observar que o partido helenista devia estar enfraquecido depois da morte do sumo sacerdote Alcimo, que não fora substituído, o que leva a subentender uma carência das autoridades religiosas judaicas. Por outro lado, Jônatas provavelmente aproveitara estes meses para reforçar suas tropas e garantir para si um quartel-general estável”[24] .1Mc 9,73 diz literalmente que Jônatas começa a “julgar o povo” (krínein tón laón): para o autor do livro, Jônatas é assimilado aos antigos juízes de Israel que “julgavam” o povo.

O que Jônatas faz daqui para a frente é se aproveitar das lutas internas dos Selêucidas nas suas disputas dinásticas e consolidar um espaço cada vez mais amplo de liberdade judaica. Com efeito, aparece um novo pretendente ao trono selêucida, Alexandre Balas, que se diz filho de Antíoco IV e tem o apoio dos romanos.

E. Schürer diz que em Esmirna vive o jovem Balas, de origem humilde, mas muito parecido com Antíoco V Eupator, filho de Antíoco IV Epífanes. Átalo II, rei de Pérgamo, coroa-o rei, opõe-no a Demétrio, e Balas obtém o apoio do Senado romano, além de contar com as boas graças de Ptolomeu VI Filometor, do Egito, e de Ariarate V da Capadócia. Assim Balas inicia sua guerra contra Demétrio, de quem os sírios estão saturados[25]. Para consolidar a sua posição na região, Alexandre Balas precisa ganhar o apoio dos judeus. Por isso nomeia Jônatas sumo sacerdote em 152 a.C. Jônatas oficia pela primeira vez na festa dos Tabernáculos, em outubro de 152 a.C. Além disso, ele recebe o título honorífico de “amigo do rei”.

1Mc 10,18-20 diz:

“O rei Alexandre a seu irmão Jônatas, saudações! Fomos informados, a teu respeito, de que és um homem poderoso e valente, e que mereces a nossa amizade. Por isso agora te constituímos, hoje, sumo sacerdote da tua nação e te conferimos o título de amigo do rei – de fato, enviou-lhe uma clâmide de púrpura e uma coroa de ouro – esperando que apoies os nossos objetivos e nos guardes tua amizade”.

Para superar as ofertas de Alexandre Balas, Demétrio I oferece aos judeus uma isenção de tributos, além de vários outros benefícios. É o que narra 1Mc 10,25-45.

C. Saulnier explica que “a Cidadela era cedida ao sumo sacerdote, os cativos seriam soltos sem resgate, as festas poderiam ser observadas por todos os judeus do reino; além disso, Ptolemaida e seu território eram dados para cobrir as despesas com o culto, e os sacerdotes receberiam 5.000 siclos de prata, o templo gozaria do direito de asilo e as despesas de restauração ficariam a cargo do soberano”[26]. Entretanto, Alexandre Balas vence Demétrio I. Por ocasião de seu casamento com Cleópatra Teia, filha de Ptolomeu VI Filometor, do Egito – com quem Alexandre faz aliança -, Jônatas é nomeado por ele estratego e meridarca, ou seja, chefe militar e governador de uma parte do reino. Jônatas é colocado também entre os “primeiros amigos do rei”, título da nobreza persa em uso entre os gregos, o que lhe dá acesso à corte e a cargos de confiança do rei.

O meridarca é o governador da mérida, “parte”, maior que a “estrategia”, que é o território da Judeia. São os três distritos mencionados em 1Mc 10,30, conquistados por Judas: Aferema (Efraim), Lida (Lod) e Ramataim.

Quanto ao título de “primeiro amigo do rei”, C. Préaux observa que se conhece uma hierarquia de títulos que, começando do mais importante, é a seguinte: parente do rei, equivalente aos parentes do rei; os primeiros amigosarchisômatophýlakes; os amigos, sômatophýlakes; e os sucessores. A partir destas promoções, Jônatas, antes líder de uma insurreição contra os Selêucidas, passa a ser funcionário do Estado que então combatia[27].

Mas as complicações continuam, pois Demétrio II, o filho mais velho de Demétrio I, desembarca na Cilícia, vindo de Creta, em 147 a.C. e toma a Síria. Ptolomeu VI, do Egito apoia o novo rei, combate e vence Alexandre Balas – na verdade ambos morrem – enquanto Demétrio II torna-se o rei selêucida. Durante estas lutas, Jônatas se apossa de Azoto e de Jope.

Demétrio II baixa novo decreto em favor dos judeus (1Mc 11,30-37), que retoma em parte o de seu pai Demétrio I (recusado por Jônatas). Neste decreto Jônatas é chamado de “irmão” por Demétrio II, o que sugere que ele tenha se tornado “parente do rei”, título superior ao de “primeiro amigo” concedido antes por Alexandre Balas.

Entretanto, “o decreto de Demétrio II é menos vantajoso (para os judeus) que o de seu pai: não se fala mais da cessão da Fortaleza, nem de ofertas para a reconstrução de Jerusalém ou para prover ao culto”[28]. Além disso, não há a isenção dos três distritos de Aferema, Lida e Ramataim, como queria Jônatas (1Mc 11,28), e os 300 talentos pagos anualmente pelo sumo sacerdote como tributo continuavam a ser cobrados.

Contudo, uma vez mais, complica-se a situação entre os Selêucidas: um certo Trifão proclama rei a Antíoco VI, filho de Alexandre Balas, e Demétrio II foge (1Mc 11,54-56).

Antíoco VI confirma Jônatas no cargo de sumo sacerdote, nomeia-o governador da Celessíria, “amigo do rei”, e a seu irmão Simão dá o cargo de estragego do litoral de Tiro até o Egito (1Mc 11,57-60).

Jônatas ainda continua a sua luta. Ocupa algumas cidades, vence os generais de Demétrio II, mas cai vítima de Trifão, que o mata[29].

Assim, pouco a pouco, em meio a muitas intrigas, vai se consolidando o poder dos Macabeus e o espaço dos judeus. É interessante observar que as três conquistas mais importantes dos irmãos Macabeus acontecem, curiosamente, em intervalos de dez anos:

. Judas conquista a liberdade religiosa em 162 a.C.

. Jônatas torna-se sumo sacerdote em 152 a.C.

. Simão consegue a isenção de impostos em 142 a.C.[30].

Por outro lado, não sendo os Macabeus de família sadoquita, a ocupação do sumo sacerdócio é considerada uma usurpação pelos judeus mais tradicionais. É assim que, por esta época, um sacerdote do Templo de Jerusalém, conhecido apenas como Mestre da Justiça, retira-se da cidade, fundando a comunidade dos essênios, que mais tarde veremos estabelecida em Qumran.

É também nesta ocasião – cerca de 150 a.C. – que Onias IV, filho de Onias III, que fora morto em Dafne por ordem de Menelau, funda em Leontópolis, no Egito, no delta do Nilo, perto de Mênfis, um Templo semelhante ao de Jerusalém. Com a ascensão dos Macabeus, os Oníadas, família da qual provinham os sumos sacerdotes, ficam excluídos.

Ptolomeu VI Filometor (181-145 a.C.) e sua esposa Cleópatra II concedem a Onias IV uma cleruquia, tornando-se este Oníada general e sumo sacerdote.

A. Paul explica que “com suas tropas e respectivas famílias, [Onias IV] estabeleceu-se no território no qual se erguia o templo, denominado ‘Terra de Onias’ (o nome árabe atual é Tell al-Yahudiyya)”[31]. Onias IV interfere nas lutas ptolomaicas pela sucessão, defendendo a rainha Cleópatra contra seus rivais. Também seus filhos Ananias e Helquias são generais que lutam mais tarde no exército ptolomaico.

 

Bibliografia

AUTORES CLÁSSICOS: recomendo The Perseus Collections, The Perseus CatalogLacusCurtius e Loeb Classical Library.

BICKERMAN, E.The God of the Maccabees: Studies on the Meaning and Origin of the Maccabean Revolt. Leiden: Brill, 1979.

DA SILVA, A. J. Os instrumentos da helenização. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 61, p. 23-37, 1999. Disponível também na Ayrton’s Biblical Page.

DA SILVA, A. J. Paideia grega e Apocalíptica judaica. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 113, p. 11-22, 2012. Disponível também na Ayrton’s Biblical Page.

DA SILVA, A. J. Religião e formação de classes na antiga Judeia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 120, p. 413-434, 2013. Disponível também na Ayrton’s Biblical Page.

DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004.

GRABBE, L. L. Judaism from Cyrus to Hadrian. I. Persian and Greek Periods; II. Roman Period. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1992 & London: SCM Press, 1994. 

JOSEFO, F. História dos Hebreus: Obra Completa. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007.

KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997. Há um resumo no Observatório Bíblico.

PRÉAUX, C. Le Monde hellénistique. La Gréce et l’Orient (323-146 av. J.-C.) I-II. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2002- 2003.

SAULNIER, C. Histoire d’Israel III. De la conquête d’Alexandre à la destruction du temple (331 a.C.-135 a.D.). Paris: Du Cerf, 1985.

SCHÜRER, E. Storia del popolo giudaico al tempo di Gesù Cristo (175 a.C.-135 d.C.) I. Brescia: Paideia, 2009.

THACKERAY, H. St. J.;MARCUS, R.; WIKGREN, A.; FELDMAN, L. H. Josephus I-XIII, Cambridge: Harvard University Press, 1926-1965. Texto disponível online.

WILL, E. Histoire politique du monde hellénistique (323-30 av. J.-C). 3. ed. Paris: Seuil, 2003.

>>Bibliografia atualizada em 17.11.2021

Página 29


[23]. GNUSE, R. Não roubarás. Comunidade e propriedade na tradição bíblica. São Paulo: Loyola, 1986, p. 53.

[24]. SAULNIER, C. A revolta dos Macabeus, p. 34.

[25]. Cf. SCHÜRER, E. Storia del popolo giudaico al tempo de Gesù Cristo I, p. 238, nota 11. 

[26]. SAULNIER, C. A revolta dos Macabeus, p. 34-35.

[27]. PRÉAUX, C. Le monde hellénistique I, p. 209-210.

[28]. BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1Mc 11,35, nota c.

[29]. Cf. WILL, E. Histoire politique du monde hellénistique II, p. 404-407.

[30]. Cf. REICKE, B. The New Testament Era. Philadelphia: Fortress Press, 1985, p. 57-62.

[31]. PAUL, A. O judaísmo tardio, p. 116. Cf. também STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 405-406, onde são discutidas as informações das fontes – Flávio Josefo e 2 Macabeus – sobre Onias III e Onias IV.

Última atualização: 17.11.2021 – 09h40

Print Friendly, PDF & Email